Vingança da Hungria nos Jogos de Melbourne passa a documentário

O desafio mais sangrento da história olímpica do pólo aquático

24 agosto 2008 12:40

À primeira vista, não se enxerga um elo de ligação entre as figuras de Mark Spitz, Quentin Tarantino e Nikita Khrushchev. Um episódio ocorrido em 6 de Dezembro de 1956 liga-os firmemente. (Veja os vídeos no fim do texto)

24 agosto 2008 12:40

Nem se descortina qual o nexo entre os dois norte-americanos com a época da Guerra Fria, com a URSS e com a invasão da Hungria em Novembro de 1956 pelos tanques do Pacto de Varsóvia, num dos episódios mais trágicos da história europeia do século passado. À segunda vista, também não se vislumbra nada. Em 1956, Spitz era um garoto com 6 anos de idade e Tarantino ainda nem sequer tinha nascido. Mas o nome do nadador húngaro Ervin Zádor (Budapeste, 1935) introduz o "missing link" necessário para o estabelecimento da conexão entre todos estes elementos. O atleta húngaro septuagenário, actualmente a viver na Califórnia, foi treinador do adolescente Spitz, tendo sido um dos homens que mais marcou o nadador que, em Munique, cometeu o feito histórico olímpico de ganhar 7 medalhas de ouro.

Este facto biográfico da juventude, o de ter tido um treinador húngaro exilado nos EUA, levou Spitz a interessar-se pessoalmente na participação como narrador do documentário Freedom's Fury que tem como produtores executivos Quentin Tarantino e Lucy Liu. O documentário apresenta-se sob o lema patriótico "Uma equipa, um país, uma oportunidade única para a vingança".

Quatro golos vingam História

De que vingança se trata? Nos Jogos Olímpicos de Melbourne de 1956, a equipa húngara de pólo aquático obteve a medalha de ouro após um jogo contra a equipa russa que foi suspensa após o resultado 4-0. A Hungria já era detentora de 14 medalhas olímpicas nesta modalidade, tendo uma prestigiada tradição de jogadores e de treinadores.

Sete jogadores húngaros vencem 200 mil soldados

O histórico jogo entre a Hungria e a União Soviética do dia 6 de Dezembro de 1956

O histórico jogo entre a Hungria e a União Soviética do dia 6 de Dezembro de 1956

Os atletas húngaros de pólo aquático, capitaneados pelo lendário Deszo Gyarmati, quiseram mostrar à equipa russa que, muito embora o seu país estivesse ocupado pelos tanques soviéticos e por 200 mil soldados enviados por Khrushchev, a supremacia no desporto olímpico praticado dentro de uma piscina não lhes poderia ser retirada nem sequer com golpes de política jogada nos bastidores.

Correu mundo a foto do rosto ferido do jovem Ervin Zádor com o sangue a escorrer pela cara, com um corte na zona da sobrancelha direita e com a mão entrapada, ainda em calções de banho e touca, acabadinho de ser "salvo" da piscina onde se desenrolou o jogo amplamente fotografado pelos jornalistas que fizeram a cobertura dos Jogos Olímpicos de Melbourne em 1956.

Ouro, sangue e lágrimas

Com 20 anos de idade, Zádor foi um dos jogadores da equipa de pólo aquático que lutou pela medalha de ouro nesta modalidade em que a Hungria tinha um nível de excelência sensacional. Zádor marcou dois dos quatro golos da equipa húngara estando, por esse facto, na mira dos "atacantes" da equipa soviética. Zádor identifica o autor do soco que o impediu de ir à final com a Jugoslávia no jogo em que a Hungria ganhou o ouro olímpico por 2-0, momento em que Zádor desatou a chorar convulsivamente.

Guerra Fria jogada nos Olímpicos

O agressor foi Valentyn Prokopov, um atleta cujo rasto ainda não foi descoberto pela equipa de filmagens. Parte dos membros da equipa russa foi entrevistada em "Freedom's Fury", o documentário filmado freneticamente e narrado agora em detalhe por Mark Spitz, obra premiada em vários festivais como o de Tribeca e o de Toronto pelo seu impacto político. As imagens foram recolhidas após longa investigação nos arquivos e depois de se entrevistarem os atletas húngaros e os seus familiares.

A imagem de Ervin Zádor correu o mundo

A imagem de Ervin Zádor correu o mundo