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Joaquim Agostinho: O doping que nunca assumiu e as quedas de sempre

9 maio 2009 9:00

A carreira do ciclista conta-se com muitos momentos de glória, recheada de vitórias e camisolas amarelas, mas também teve o seu lado mais negativo, com as quedas atrás de quedas e os sempre estigmatizantes casos de doping.

9 maio 2009 9:00

A carreira de Joaquim Agostinho conta-se com muitos momentos de glória, recheada de vitórias e camisolas amarelas, mas também teve o seu lado mais negativo, com as quedas atrás de quedas e os sempre estigmatizantes casos de doping.

Pelo doping, deixou de correr em Portugal, revoltado com uma segunda Volta a Portugal perdida "na secretária", no ano da mítica vitória na etapa da Figueira da Foz. As quedas foram uma constante, quase uma "imagem de marca", de dimensão inesperadamente trágica pela forma como fez coincidir o termo da carreira com o fim da vida.

Agostinho chegou por cinco vezes consecutivas a Lisboa como vencedor da Volta a Portugal - todas as que correu entre 1969 e 1973 - mas na primeira e na última teve de ceder os louros da vitória, primeiro para o sangalhense Joaquim Andrade, depois para o espanhol Jesus Manzaneque.

Em 1969, com apenas um ano de modalidade, Agostinho era na Volta a Portugal ídolo inevitável, pelo brilharete do oitavo lugar no Tour, com duas etapas ganhas. E quando lhe falavam de doping, ironizava e dizia que "o seu doping" era a "loirinha de Torres Vedras", Ana Maria, que viria a ser a sua mulher.

Por isso, mais estranheza causou o positivo, na última etapa, o decisivo contra-relógio que ganhou. "É mentira, nunca tomei nada. Não tirei as mãos do guiador, não bebi nada durante a corrida. Só uma laranjada, quando cheguei".

Mais exactamente, uma "Sumol", assim de repente caída no centro das piores suspeições e obrigada a emitir comunicado para limpar a imagem...

"Juro que nunca tomei dessas porcarias", asseverava o campeão e ia mais longe: "Eu nem sei bem o que é o doping... Fui roubado sim senhor".

Para a história, ficava uma história mal explicada e a insinuação que a "máfia do ciclismo" tudo estava a fazer para o prejudicar.

Em 1972 é no Tour, em que já é um dos homens mais vigiados, que acontece a segunda história de doping de Joaquim Agostinho e mais uma vez se afirmou inocente.

"A máfia do Tour"

Gribaldy, o seu director-desportivo "de sempre", acusou sem papas na língua a "máfia do Tour", francesa, que andaria de "cabeça perdida" por causa do constante domínio estrangeiro pós-Anquetil, sobretudo de Merckx.

Joaquim Agostinho, em 1973

Joaquim Agostinho, em 1973

arquivo gesco

"Tinô" voltou a encontrar uma "resposta" possível para o doping involuntário num bidon dado por espectador, em etapa de alta montanha. "Só lá dentro podia estar líquido contaminado", asseverava.

Mas o castigo veio mesmo, com mil francos de multa, um mês de suspensão (a cumprir no defeso) e dez minutos de penalização... que não lhe alteraram o oitavo lugar, só que um pouco mais longe de Merckx.

Um ano depois, chegava o caso mais mediático e de maiores consequências na sua carreira para Agostinho, numa Volta a Portugal que parecia ficar para a história.

Ganhou na Serra da Estrela, como seria de esperar, mas ganhou também uma histórica etapa Abrantes-Figueira da Foz, 200 km quase em perfeito contra-relógio. Imperial, passada certa e sem se levantar do selim, sem que ninguém lhe acompanhasse a passada.

Venceu em mais etapas, mas são essas que determinaram o destino da prova, na análise às colheitas feitas ao campeão. Por revelarem mentilfenil, dilatador dos vasos sanguíneos, um composto do medicamento Ritaline, que Agostinho admitia tomar, mas que "não era droga nenhuma".

Agostinho assegurava que esse Ritaline era tomado na sua equipa de então, a BIC de Luis Ocaa, como suplemento energético diário. Magoado, disse adeus à Volta a Portugal, para não mais voltar.

Só muitos anos mais tarde, e nas entrelinhas, o seu discurso mudou e a ira indignada deu lugar a uma sábia ponderação das palavras.

"Alguém acredita que um ciclista, para fazer 200 ou 300 quilómetros, sob sol, chuva, subindo, descendo, fazendo médias verdadeiramente impressionantes de 40 ou 50 quilómetros hora, não necessita de alguma coisa que o ajude a suportar todo esse esforço? Responda quem quiser, ou então que se submetam a esforços semelhantes e depois digam se têm de tomar ou não estimulantes...". As palavras são de 1982 e valem por si.

Em Portugal praticamente não voltou a correr depois da "birra" de 1973, mas foi nas estradas portuguesas que fechou a carreira, dramaticamente, com a queda em Quarteira e o coma que o levou à morte, na manhã do dia 10 de Maio de 1984.

Joaquim Agostinho

Joaquim Agostinho

arquivo gesco

Era a última queda, esta para evitar um cão, de uma longa, longa série que lhe deu a alcunha de "Quim Cambalhotas", logo no primeiro ano de profissional.

Praticamente, não havia prova em que não acabasse por cair - um ar descontraído, meio despreocupado a isso ajudava, bem como deficiêncais técnicas de quem começou bastante tarde a correr em bicicleta de competição.

Quando já era VIP do Tour, o "L'Equipe" apresentou um cartoon de primeira página, com todos os favoritos. E como estava representado Agostinho? Sentado no chão, a ver estrelas, bicicleta desconjuntada e ombro esfolado.

A mais grave terá sido a queda que sofreu em 1972, na estreia na Vuelta, em que lutava para ganhar. Foi na etapa para Tarragona, em que caiu, perdeu a consciência e ficou a sangrar do parietal esquerdo.

Foi a 5 de Maio e temeu-se o pior. Mas recuperou, e a 10 de Maio foi autorizado a viajar para Lisboa. Exactamente doze anos antes de morrer, por uma queda com muitas semelhanças.