ARQUIVO Ócio

Dormir no aeroporto

10 outubro 2009 10:30

Paula Cosme Pinto (texto) e Patrícia Melo Moreira/4SEE (fotografias), em Madrid

Para conseguir um voo mais barato, há quem troque o colchão pelo chão do aeroporto.

10 outubro 2009 10:30

Paula Cosme Pinto (texto) e Patrícia Melo Moreira/4SEE (fotografias), em Madrid

Duas da manhã no aeroporto de Madrid. O silêncio dos corredores vazios é cortado pelo burburinho na zona dos ainda encerrados balcões de check-in. Com colchões e sacos-cama, dezenas de pessoas amontoam-se pelos cantos. Em grupos ou sozinhas. Homens engravatados, adolescentes com mochilas, famílias com crianças. Todos pernoitam no chão do aeroporto.

Em Lisboa, ainda são poucas as companhias low-cost a operar, mas em Madrid, um dos mais movimentados aeroportos da Europa, são muitos os aviões que esperam de madrugada pelos primeiros passageiros, de voos que vão partir sem que o sol tenha nascido. Com estes horários pouco acessíveis, dormir no aeroporto é cada vez mais a opção de quem não quer "gastar 19 euros num hostel quando o voo custou metade desse valor". Quem o diz é Geezt Bellemans e Nina Dillen, jovens belgas na casa dos vinte, assumidos 'experientes' nestas andanças das viagens baratas. "O metro fecha à 1h30 e só reabre às 6h00. O nosso voo é às 6h50, portanto pagar um quarto no centro da cidade para dormir quatro horas e depois vir de táxi seria pouco inteligente." E matam o tempo tocando órgão, jogando Scrabble, fumando e bebendo copos de sangria de pacote, comprada num supermercado em Madrid.

Há quem já vá munido com verdadeiros lanches domingueiros: pacotes de bolachas, sandes, sumos, chocolates, fruta, por vezes tupperwares com comida de faca e garfo. E com isso evitam os preços que se praticam no único bar do aeroporto aberto 24 horas por dia: uma pequena garrafa de água chega aos 2 euros, uma sandes nunca é menos de 3. Com a luz intensa a bater na cara dos incautos que esqueceram uma venda para os olhos, há quem ponha a leitura em dia e também quem abra o computador portátil para ver um filme ou usar a Internet - dicas para passar o tempo, no site sleepinginairports.net, um fórum onde os viajantes podem deixar as suas críticas e relatar experiências; tem uma votação anual para os melhores e piores aeroportos para dormir. Na Europa, Schiphol, em Amesterdão, ganha o prémio de melhor, enquanto Charles De Gaulle, em Paris, é classificado como o pior... onde "viajantes se misturam com sem-abrigo" e o "chão cheira a urina".

Em Barajas, pode não haver uma única cadeira para tornar a espera mais confortável, mas a limpeza é indiscutível. Sob o olhar reprovador das equipas de limpeza, às três da manhã muitos abandonam o chão e passeiam pelos corredores.

O casal de emigrantes portugueses José e Isilda Boto, já na casa dos sessenta, estreiam-se a passar a noite no aeroporto e descansam nas passadeiras que, horas mais tarde, estarão ocupadas com as malas para o check-in. "Perdemos a camioneta de Sevilha para Madrid, apanhámos o TGV, e a viagem demorou menos cinco horas do que era previsto." "À meia-noite era demasiado tarde" para procurar um hotel e, "como havia tanta gente a pernoitar", arriscaram. Ela receosa pelos assaltos, ele mais confiante... embora raramente se veja um segurança. Quanto a dormir: "Nem pensar, já não temos idade para isso", dizem em uníssono. "Vamos em primeira classe para Nova Iorque. Quando entrarmos no avião é pôr a cadeira para trás e já está. Pomos o sono em dia!"

Chegam as primeiras horas da manhã e, enquanto alguns viajantes se amontoam nas filas do check-in, outros permanecem ferrados no sono, alheios ao barulho à sua volta. Nas casas de banho improvisam-se higienes matinais. Lavam-se dentes, escovam-se cabelos, passam-se toalhitas na pele para refrescar o corpo e põe-se perfume. Em poucos minutos, só mesmo as olheiras deixam antever que a noite foi dura... no chão do aeroporto.