ARQUIVO Escolhas Expresso

Critica de cinema de 25 a 30 de Abril

24 abril 2009 13:30

24 abril 2009 13:30

A vingança 

Uma comédia negra com sabor a berlanga.

Com quase três anos de atraso chega-nos o filme de estreia na longa-metragem de Juan Carlos Falcón, uma co-produção luso espanhola, em que a participação portuguesa, a cargo de José Mazeda, se limita, no elenco, à participação de Rogério Samora, no papel de um pescador. Pouco se faz notar, e ainda bem, porque o filme é intrinsecamente espanhol e, neste campo, retoma o espírito (e a saudável provocação) de mestre Luis García Berlanga. Deste ponto de vista, "La Caja - Quatro Mulheres e Um Morto" constitui uma das mais agradáveis surpresas do ano. É humor 'negro' puro, excessivo, truculento, 'esperpêntico' (como diriam 'nuestros hermanos', num termo intraduzível), onde a Morte é outra personagem de farsa, invisível, mas presente no cadáver que está a ser velado.

Numa aldeia de uma das ilhas Canárias, no começo da década de 60 do século passado, morre um homem. O filme começa no hospital com um médico de ar compungido a dar a notícia à viúva, Eloisa (Ángela Molina). O cadáver é transportado para a casa desta, para o velório, mas devido à exiguidade da habitação, é levado para o apartamento de uma vizinha, Isabel (Elvira Mínguez), casada com um pescador ausente, com um filho e uma irmã prostituta, Benigna (Antonia San Juan, a inesquecível travesti de "Tudo sobre a Minha Mãe", de Almodóvar). Mas o defunto não era um homem qualquer. Don Lucio era a pessoa mais odiada da ilha. Franquista ferrenho, era o 'bufo' da aldeia aproveitando o seu papel para fazer chantagem, especialmente sobre as mulheres dos outros, de quem abusava e violava e mantendo a sua praticamente enclausurada. Com a sua morte, o pesadelo parece ter terminado. Um dos primeiros gestos de Eloisa vai ser arrancar as tábuas que fechavam a janela de onde, antigamente, via o mar, e deixando o cadáver em casa da vizinha, vai, pela primeira vez em muitos anos, a um cinema onde se projecta um filme com o seu ídolo Jorge Negrete (mais tarde irá encontrar, num vizinho, quase a materialização do seu ídolo).

Também os vizinhos rejubilam. Jorge (Vladimir Cruz) pode, finalmente, surgir à luz do dia sem receio de represálias, assim como o irmão, uma das vítimas de Don Lucio. E às mulheres irá caber a vingança mais requintada. Numa série de cenas, onde o macabro se alia ao burlesco, constituindo alguns dos melhores momentos de humor negro numa cinematografia tão rica nele como a espanhola, o cadáver de Don Lucio será alvo de duas macabras 'profanações', ambas respostas a outros tantos crimes de que ele fora responsável sobre as mulheres. E estas são apenas algumas das atribulações por que passa o cadáver, com um enterro verdadeiramente inenarrável.

Entretanto, um conspícuo habitante da aldeia informa Eloisa da existência de uma importante soma de dinheiro escondida por Don Lucio. Mas embora a viúva comece a sua busca, o que lhe importa é a liberdade recém-adquirida. Como noutros filmes do género, um destino inesperado espera pelo dinheiro.

"La Caja - Quatro Mulheres e Um Morto" é uma irresistível metáfora sobre o franquismo, sobre a repressão odiosa exercida sobre um povo e os ódios latentes que esperam pela sua oportunidade. A não perder. Manuel Cintra Ferreira

de Juan Carlos Falcón

(Espanha/Portugal)

com Ángela Molina, Elvira Mínguez, Antonia San Juan, María Galiana

Comédia

M/12

ESTREIAS

de Mário Barroso

Portugal/Brasil)

com Tomás Alves, Catarina Wallenstein, Ana Moreira

Romance

M/12

Simão e Teresa - ele Botelho, ela Albuquerque - apaixonam-se perdidamente, mas as famílias alimentam há séculos um ódio de morte que se transformará em tragédia.

Há muito a acrescentar ao que vem da página 24. Por exemplo, a 'voz off' (emprestada por Beatriz Batarda), de uma Rita Botelho adulta, que no filme só vemos ainda criança, criando uma distância que harmoniza o que é paixão e o que é afecto, o que é tragédia e melodrama no ousado argumento que deu origem ao filme. De sublinhar, também, uma direcção de actores (não falámos dos adultos: Francisco Nascimento, Rui Morrison, Ana Padrão, Virgílio Castelo) calibrada a um ritmo thrillesco. Nem tudo é regular neste ritmo, há momentos em que a 'engrenagem' anda depressa de mais e se precipita, sobretudo na fase final: por exemplo, a mise-en-scène da sequência da morte de Baltazar às mãos de Simão, um dos momentos mais importantes da narrativa (é a partir daqui que começa o colapso), é de uma trivialidade injusta com o que se vê na maior parte do filme. Mas há compensações noutros lados: a primeira conversa (à distância) entre Simão e Teresa, em que ambos falam (parece que falam) ao telemóvel sem telemóveis nas mãos - gostamos bastante desta telepatia. Ou o plano mais arriscado do filme, o de Mariana da Cruz (Catarina Wallenstein) depois da morte do seu pai: é um grande plano 'sujo', a tocar um horror quase gore, e é preciso coragem para introduzir um elemento de tal desordem. Um filme a não perder. Francisco Ferreira

de Tom Tykwer

(EUA/Alemanha/Reino Unido)

com Clive Owen, Naomi Watts, Armin Mueller-Stahl

Thriller

M/12

Um agente da Interpol tenta fazer cair a fachada de uma instituição financeira que parece ter um importante papel no tráfico de armas internacional.

Pintado a cinzento burocrático metalizado do primeiro ao último dos seus planos, esta primeira incursão do alemão Tom Tykwer ("O Perfume", "Corre Lola Corre") pelos meandros da 'intriga internacional' tenta dissimular a sua inanidade estética através de um discurso narrativo que se esforça por capitalizar ao máximo o espírito anticapitalista do tempo. No entanto, se o objectivo central deste "A Organização" consiste em 'bater no ceguinho' (vulgo, capitalismo), o melhor que se pode dizer é que Tykwer não tem - manifestamente - unhas suficientes para a guitarra que lhe deram. De facto, para passar uma certidão de óbito ao capital é preciso mais do que um argumento oportunista (e repleto de lugares-comuns) que, uma vez volvidas as surpresas da primeira meia hora, se limita a demonstrar à saciedade que não sabe como extrair uma conclusão das suas premissas. A tão badalada sequência do tiroteio no Museu Guggenheim de Nova Iorque tem a graça que tem, ou seja: a de uma reconstituição espectacular (e especular) que procura em vão surpreender aquele efeito do real que o filme é incapaz de suster. Vasco Baptista Marques

de Dennis Lee

(EUA)

com Ryan Reynolds, Willem Dafoe, Julia Roberts

Drama

M/12

Depois da morte da mãe, um jovem escritor regressa à casa de família para se confrontar com os fantasmas do seu passado.

Abstrusa tradução do original "Fireflies in the Garden" (que remete, e não por acaso, para o poema homónimo de Robert Frost), "Um Segredo Muito Nosso" convive como pode com o facto de ser um gigantesco erro de casting, uma parada de estrelas (e acrescentem-se os nomes de Emily Watson e de Carrie-Anne Moss aos da ficha técnica) que se sentem muito pouco à vontade neste simpático drama familiar de produção independente que toma como seu objecto de estudo o(s) passado(s) mal resolvido(s) - e, por vezes, mal explorados... - que vão corroendo a vida de uma família de académicos. E é pena que assim seja - pois, quando não se esforça por 'fazer poesia' e quando não se esquece das suas personagens, Dennis Lee (que aqui realiza a sua primeira longa-metragem) acaba por revelar alguma sensibilidade para os enquadramentos mais significantes e sugestivos (geralmente fixos ou transportados por suaves movimentos de câmara) e, também, para os ritmos de montagem mais adequados à ponderação dos seus problemas dramatúrgicos. V.B.M.

de Alex Proyas (EUA)

com Nicolas Cage, Chandler Canterbury, Rose Byrne

Ficção Científica

M/12

Numa escola é aberta uma 'caixa do tempo' enterrada há 50 anos, que traz uma mensagem codificada.

Alex Proyas, o realizador de "O Corvo" e "Dark City - Cidade Misteriosa", regressa com outro tema fantástico, desta vez às voltas com o 'fim do mundo'. Nada de novo, neste campo, com o trabalho de Proyas limitando-se a explorar alguma da mitologia que o cinema foi criando e desenvolvendo sobre o tema. Aliás, "Sinais do Futuro" parece ser uma espécie de jogada de antecipação à anunciada produção de Steven Spielberg para o próximo ano, "When Worlds Collide", nova versão do clássico de 1951 de Rudy Maté "Quando os Mundos Chocam", que trata também do 'fim do mundo'. Proyas vai buscar o tema original de Maté, dando-lhe um desenvolvimento mais 'actualizado', misturando-o com uma mitologia spielberguiana. Do primeiro tira a ideia do 'recomeço' noutro planeta (o final de "Sinais do Futuro" é inspirado nele). Muitas das situações evocam o já clássico "Encontros Imediatos do 3º Grau": a série de pistas para levar as personagens a um determinado lugar de encontro; o tema dos 'escolhidos'. Nada de particularmente estimulante; até Nicolas Cage representa o papel do pai do 'escolhido' com ar de sonâmbulo. Valem-nos os efeitos especiais, mas também neste campo ficamo-nos pelo dejà vu. M.C.F.