Atualidade / Arquivo

Vende-se ilha com vista para o Barreiro

12 março 2009 21:23

Hugo Franco

Hugo Franco

Jornalista

A ilha do Rato, no estuário do Tejo, é leiloada no final do mês. Dono tem um rasto de processos na Justiça.

12 março 2009 21:23

Hugo Franco

Hugo Franco

Jornalista

Feche os olhos para não ver as torres gigantes da Quimiparque a vomitarem fumo. Depois, dê um mergulho na praia deserta, apanhe os berbigões, lambujinhas e canivetes e faça um piquenique no areal. A pequena Ilha do Rato é a definição mais próxima que o estuário do Tejo tem de paraíso. E vai ser licitada, em leilão, a 28 de Março, "a partir de um euro", quantia que uma empresa imobiliária de Odivelas anuncia nos jornais.

O proprietário, Ismael Duarte, um polémico empresário do Fogueteiro, comprou-a em 2005, com vontade em transformá-la num destino turístico. Na altura chegou a afirmar: "Há a ideia de que para ir para uma ilha paradisíaca é preciso fazer muitas horas de voo. As pessoas nem se apercebem de que há sítios também paradisíacos mesmo ao pé de casa". Pormenor: a Ilha do Rato é constituída por um banco de areia de vegetação rasteira, cujo paredão de pedra está bastante destruído.

Ao Expresso, o engenheiro civil conta, por e-mail, que foi como "um amor à primeira vista" mas não revela quanto desembolsou pela ilha de cinco hectares (os outros cinco são de domínio público) ao Grupo Invictus, depois de cinco anos de grande cobiça.

Dois anos depois, a paixão parece ter esmorecido, pois anunciava a venda daquele pedaço de terra por € 3,5 milhões. Dois grupos estrangeiros especializados em ilhas privadas mostraram-se interessados mas as negociações abortaram devido "ao preço demasiado elevado pedido pelo português", segundo um porta-voz da empresa alemã Vladi Private Islands. Os germânicos desmotivaram-se com a "rápida erosão" que assola a ilha e com a passagem dos catamarãs que ligam o Montijo a Lisboa. "O movimento dos barcos está a dar cabo dela", afirma o responsável.

Ismael Duarte defende que ainda não chegou o momento de "definitivamente vender este bem único e singular em Portugal". Mas lá vai levantando a ponta do véu: "Aguardo uma proposta concreta e objectiva para a sua transacção em breve".

Para quem faz todos os dias a travessia naquela zona do Tejo, é fácil perceber que o panorama não mudou na ilha com "vista privilegiada para Lisboa", encravada entre a base aérea do Montijo e o complexo industrial do Barreiro. A antiga (e única) habitação, que chegou a ter cinco moradores, continua em ruínas. A ideia de Ismael Duarte em reconstruí-la e dividi-la em cinco casas de madeira com 60 metros quadrados não passou do papel. Tal como a parceria de turismo ambiental sustentado. "Estão em reflexão alguns conjuntos de ideias para um projecto de dimensão adequada ao próprio espaço", justifica.

Sob suspeita

Uma fonte do Ministério Público revelou ao Expresso que Ismael Duarte tem cinco processos a correr contra si na justiça.

É acusado de burla, insolvência dolosa e de passar cheques sem cobertura durante os anos em que foi administrador da Eurocaução, uma sociedade de aconselhamento ao crédito, que faliu no ano passado. "Nunca fui condenado por qualquer situação acima indicada, desconhecendo até as acções (salvo a primeira em que fui absolvido). Tenho a consciência tranquila e acredito que, não tendo efectuado nada de ilícito, também em caso de ser acusado a Justiça fará justiça", defende-se.

Entre alguns antigos sócios da empresa, deixou uma maré de descontentamento: "É um megalómano e não cumpre com a palavra", dizem no anonimato.

Ismael Duarte não pára. Hoje está à frente de uma sociedade de investimentos imobiliários, a Pé Ligeiro, que detém a Ilha do Rato, por permuta, desde Janeiro. E tem duas hipotecas ao banco no valor total de €500 mil. O leilão no final de Março pode ser uma espécie de bilhete da lotaria. Mas na Moita e no Barreiro, os moradores não parecem ter muita fé no futuro na ilha que serviu de refúgio de contrabandistas no início do século XX: "Querem fazer daquilo um resort? Não faz sentido investirem ali dinheiro, pois um dia ela desaparece nas águas do rio".

€3.500.000

Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Março de 2009