25 novembro 2009 23:31
O Papa João Paulo II e a sua amiga polaca Wanda Poltawka trocaram correspondência durante mais de 50 anos. A psiquiatra deve agora entregar todas as cartas para serem analisadas por peritos do Vaticano.
25 novembro 2009 23:31
Terão João Paulo II e a psiquiatra Wanda Poltawka vivido uma história de amor? Se não foi isso, que outros laços uniam os dois para justificar a intensa troca de correspondência entre o 'Papa da solidariedade' e a sua amiga polaca, ao longo de 55 anos? O Vaticano quer saber tudo, antes de avançar com o processo de beatificação de Karol Wojtyla.
"São 55 anos de correspondência, uma vida. Portanto, será preciso pesquisar mais para evitar problemas futuros, inclusive porque não é comum uma troca tão ampla de cartas entre o Papa e uma amiga de juventude", disse ao jornal "La Stampa" o cardeal português José Saraiva Martins, responsável emérito pela Congregação para a Causa dos Santos, que deu início ao processo de beatificação.
Wanda Poltawka, 88 anos, declarou ao "La Stampa" que tem "uma mala cheia" de cartas, que não deitou nenhuma fora. "Passei a metade do seu último ano de vida em Roma. Estava também a seu lado no dia 2 de Abril de 2005, no quarto onde morreu, no Vaticano", acrescentou.
Wanda, o marido e os filhos foram muito próximos de João Paulo II.
Precaução para eliminar dúvidas
Parte das cartas foi entregue aos examinadores da causa da beatificação em Cracóvia, outras foram publicadas em forma de livro, mas a maior parte da correspondência continua na mão da amiga polaca de João Paulo II. Nalgumas das cartas publicadas pelo jornal italiano, os dois falam sobre questões de saúde (Wanda teve um cancro) e sobre as férias que passariam juntos.
Em declarações ao "La Stampa", o cardeal enfatiza que "os teólogos examinadores devem pedir todos os documentos conservados pela senhora Poltawska, para eliminar dúvidas e ambiguidades que possam motivar contestações futuras, ligadas à inédita correspondência entre uma mulher leiga, cujo conteúdo é desconhecido em todo o Vaticano".
De acordo com Saraiva Martins, toda a correspondência pessoal de Karol Wojtyla deveria ter sido entregue durante a fase diocesana do processo, em Cracóvia, Polónia. Agora que o processo já chegou a Roma, será preciso mais tempo de trabalho por parte da comissão do Vaticano, composta por oito teólogos.
Excesso de zelo
Questionado pelo jornal italiano, o padre Adam Boniecki -colaborador de Karol Wojtila quando era bispo de Cracóvia e depois no Vaticano - disse que João Paulo II sempre se relacionou de forma espontânea com leigos e religiosos. E admitiu que a presença de Wanda Poltawska e a sua familiaridade com o Papa provocava algum constrangimento e até mal-humor na Cúria.
Segundo o vaticanista Andréa Tornielli, João Paulo II costumava manter uma relação epistolar e de amizade com muitos jovens e casais que acompanhava espirituralmente. "Não há nada de suspeito na amizade entre os dois. Pensar que destas cartas se possa deduzir que houve uma relação pecaminosa significa não perceber nada sobre Wojtila".
Em declarações à BBC Brasil, Tornielle disse que João Paulo II acompanhou e ajudou Wanda a esquecer o drama que viveu no campo de concentração, abençoou o casamento dela e baptizou os seus filhos. "Sempre houve uma grande amizade com toda a família".
Para Tornielli, não há nas cartas nada que possa ser considerado negativo para João Paulo II. O problema, diz ele, é que na correspondência há informações que não coincidem com as fornecidas pelo cardeal Stanislaw Dziwisz - então secretário do Papa - ao Vaticano.
Amizade de juventude
A amizade entre os dois nasceu quando ambos eram ainda muito jovens, logo após a II Guerra Mundial, durante a qual Wanda ficou detida num campo de concentração, onde foi cobaia de experiências feitas por médicos nazis.
Wanda visitou muitas vezes o Papa no Vaticano, ficou hospedada na sua residência de Verão, em Castelgandolfo, e esteve no hospital onde João Paulo ficou internado após o atentado de 1981, onde lia romances em polaco.
Na opinião de Andréa Tornielli, se fosse analisada toda a documentação relativa a João Paulo II, o processo de beatificação ficaria parado, visto que em 27 anos de pontificado foram acumuladas toneladas de documentos. Para reforçar a sua tese, disse que "o arquivo secreto do Vaticano nem chegou a ser pesquisado. Há muito material que não foi entregue ou consultado, e pessoas que não testemunharam. Se fosse indispensável ao processo pesquisar tudo isso, levariam dez anos só para começar a escrever".
Outra das questões que estão a merecer um exame mais apurado por parte da comissão que trata do processo de beatificação são as nomeações, por João Paulo II, de alguns bispos criticados pela sua conduta moral e, ainda, o alegado beijo que o Papa teria dado ao livro sagrado dos muçulmanos, em Maio de 1999, durante a visita ao Vaticano de uma delegação iraquiana.
Segundo Tornielli, "nas fotografias parece evidente que o Papa está a beijar o Alcorão. Na realidade, aquele beijo jamais existiu".