Atualidade / Arquivo

Tarrafal "não era uma prisão, mas sim um paraíso"

15 agosto 2010 17:48

José Pedro Castanheira (www.expresso.pt)

Emissários da Cruz Vermelha Internacional terão ficado espantados com as condições do Tarrafal

sérgio granadeiro

Um livro de 600 páginas sobre o mais famoso cárcere da ditadura revela que, no contexto africano, a Cruz Vermelha Internacional ficou espantada com as condições prisionais.

15 agosto 2010 17:48

José Pedro Castanheira (www.expresso.pt)

José Vicente Lopes, um prestigiado jornalista e investigador cabo-verdiano, lançou um livro sobre o campo de concentração do Tarrafal que promete provocar acesa polémica. "Tarrafal - Chão Bom. Memórias e Verdades", assim se chama o livro: dois volumes, mais de 600 páginas, a partir de entrevistas com 45 ex-presos do campo, editado pelo Instituto de Investigação e do Património Culturais de Cabo Verde.

O livro é um levantamento da segunda fase da mais tenebrosa prisão do Estado Novo. Criado em 1936, o campo "da morte lenta" (como ficou conhecido) começou por receber antifascistas portugueses, sobretudo comunistas e anarquistas. No total foram 340, dos quais viriam a morrer 10% - incluindo o secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, e Mário Castelhano, líder da central sindical anarcosindicalista, CGT.

Encerrado por pressão internacional após a Segunda Guerra Mundial, foi reaberto em 1962, por ordem do então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, mas destinado apenas a militantes dos movimentos de libertação de Angola, Guiné e Cabo Verde.

"Não era uma prisão mas sim um paraíso"

Vicente Lopes, um dos mais respeitados jornalistas de Cabo Verde, revela que o campo foi visitado por duas vezes pela Cruz Vermelha Internacional, que, segundo o relato do agente da PIDE/DGS que os acompanhou, se mostraram "espantados com as condições encontradas".  

Sobretudo no contexto africano e quando comparado com os campos de prisioneiros abertos nas outras colónias portuguesas: São Nicolau e Missombo, em Angola, Machava e Madalane, em Moçambique, e ilha das Galinhas, na Guiné. O regime português sempre se opôs a que estes campos fossem visitados pela Cruz Vermelha, que só foi autorizada a ir ao Tarrafal.

De acordo com o mesmo relato, um dos emissários da Cruz Vermelha comentou mesmo que o Tarrafal "não era uma prisão mas sim um paraíso".  

"Privilégios" surpreenderam emissários da Cruz Vermelha

Os responsáveis da Cruz Vermelha ficaram especialmente surpreendidos com "as idas semanais ao mar dos presos, as sessões de cinema, a biblioteca, as consultas ao Hospital da Praia, a possibilidade de estudar e fazer exames".

Nesta fase, e até ao 25 de abril de 1974, estiveram no Tarrafal cerca de 230 nacionalistas africanos, tendo falecido dois guineenses e um angolano, mas por razões que o autor não imputa directamente às condições carcerárias.

Relevo entre os tarrafalistas para quatro escritores angolanos, todos do MPLA, que ali cumpriram pesadíssimas penas de prisão: Luandino Vieira, Mendes de Carvalho, António Cardoso e António Jacinto. Quase toda a obra de Luandino Vieira, posterior ao célebre "Luuanda", foi escrita na prisão, tendo conseguido fazer sair clandestinamente os respetivos manuscritos.

O livro considera que o mais controverso dos diretores da prisão foi o cabo-verdiano Eduardo Vieira Fontes, que esteve à sua frente de 1967 até à libertação de todos os presos políticos, em 1 de maio de 1974.