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Sexo: Prazer... de cortar a respiração

1 janeiro 2010 13:00

Paula Cosme Pinto (www.expresso.pt)

Há quem sinta prazer ao ser asfixiado... e quem acabe por morrer, como o ator David Carradine e o apresentador inglês Kristian Digby. Afinal, porque é que tanta gente arrisca a asfixia erótica?

1 janeiro 2010 13:00

Paula Cosme Pinto (www.expresso.pt)

Tapar a boca com a mão ou com uma almofada, meter uma máscara de látex na cabeça, prender uma corda ao pescoço... A busca do prazer através da asfixia tem chegado às luzes da ribalta, mas pelos piores motivos: em vez de um orgasmo como clímax, a brincadeira sexual arriscada termina muitas vezes em morte.

Em junho de 2009, o ator da série "Kung-Fu", David Carradine, de 72 anos, foi encontrado morto num quarto de hotel em Banguecoque. Estava todo nu, com uma corda ao pescoço e outra a amarrar os órgãos genitais. Já em março deste ano, o apresentador da BBC Kristian Digby, de 32 anos, foi também encontrado sem vida em casa, com um saco de plástico na cabeça, preso por um cinto ao pescoço. Depois das respetivas autópsias, ambas as mortes foram arquivadas como casos de "asfixia autoerótica" que correram mal.

Embora em Portugal estes casos não cheguem às folhas dos jornais, o psiquiatra Afonso de Albuquerque garante que "todos os anos cinco a oito portugueses morrem de asfixiofilia autoinduzida". Prática que pertence ao grupo das parafilias, ou seja, das preferências eróticas pouco comuns.

"Ao nível do cérebro, o lóbulo frontal vai sendo desligado pela falta de oxigenação. Ficam assim desinibidas todas as estruturas que gerem o autocontrolo, o que leva ao aumento da intensidade das fantasias, da ereção, chegando mesmo a atingir-se o orgasmo", explica o especialista, que escreveu o livro "Minorias Eróticas e Agressores Sexuais", onde a asfixiofilia é descrita como uma prática "particularmente perigosa". "Além da possibilidade de culminar com a morte dos envolvidos, um cérebro que não recebe sangue repetidamente não fica certamente em boas condições mesmo que sobreviva."

O médico alerta ainda para os perigos dos desmaios em cenário de automasturbação. "A pessoa geralmente prende o pescoço com uma corda ou um cinto e põe-se numa posição em que o simples peso do corpo leve à asfixia gradual, com pequenas perdas de consciência", conta Afonso de Albuquerque. "Se calha a desmaiar, pode tornar-se demasiado tarde para desapertar o laço e conseguir evitar a morte."

Embora seja mais comum correr mal quando são autoinduzidas, as práticas de asfixia são também muito comuns a dois, em jogos de sadomasoquismo. "Em vez de atividade masturbatória, passa a haver um jogo a dois de domínio e submissão." E o psiquiatra aproveita para relembrar: "Os estudos apontam que para cada mulher submissa existem 20 homens que o são."

À tua mercê

Lady M., 29 anos, dominadora de renome no panorama nacional do Bondage Domínio Sadismo e Masoquismo (BDSM), não tem dúvidas quanto ao breath play (jogo de respiração): "Controlar o ar que o outro respira ou não é uma sensação de poder única e superior." Entre os submissos, submissas e escravos que passam pelo seu estúdio, o pedido de asfixia é "frequente", seja com a mão, máscaras de gás ou látex.

É o caso de JMSlave, um submisso de 54 anos, que gosta de se "sentir nas mãos" da sua "dona e senhora", sem saber "até onde ela irá" ou até onde ele conseguirá "aguentar". A "ideia do perigo", essa, faz assumidamente parte do prazer. Contudo, o submisso, que prefere não revelar a sua verdadeira identidade, assegura: "Sei que está tudo sob controlo. É como conduzir a alta velocidade. Primeiro temos de ter noção do domínio do carro e conhecer a estrada por onde seguimos." Quanto às mortes que chegam à comunicação social com cada vez mais regularidade, JMSlave conclui: "São situações desregradas que nada têm a ver com a prática cuidada que este fetiche exige."

Com "patamares de excitação difíceis de controlar", o conhecimento mútuo dos limites dos envolvidos é primordial nesta prática. Lady M, dominadora para quem "nenhum pedido é bizarro", garante que nunca teve uma experiência que corresse mal. Contudo, existem regras: "O submisso não pode estar imobilizado de forma alguma, porque nunca se sabe se me pode acontecer a mim alguma coisa e perder o controlo da situação."

Parafilia do foro psiquiátrico

São precisamente os casos que ficam fora de controlo e terminam de forma dramática que chegam à classe médica. "É raro pedirem-nos ajuda", conta o psiquiatra Afonso de Albuquerque, que ressalva: "Esta parafilia pertence à lista de doenças do foro psiquiátrico e tem tratamento se o seu praticante quiser, o que se conta pelos dedos das mãos."

Quanto aos casos analisados, os que chegam ao consultório do psiquiatra vêm na maioria das vezes através de processos médico-legais. "A própria polícia fica confusa com o que se passou, podendo interpretar os cenários como suicídio ou assassínio." Embora no mundo BDSM as "práticas sejam consentâneas", em caso de morte de um dos envolvidos quem sobrevive pode "ficar em maus lençóis" para provar a sua inocência, lembra o médico. Contactada pelo Expresso, a Polícia Judiciária diz não ter quaisquer dados específicos sobre mortes relacionadas com asfixiofilia.

Embora para muitos a asfixia erótica seja ainda um tabu bem guardado dentro das quatro paredes do quarto, há nomes que ficaram imortalizados precisamente por causa dessa prática. Uns porque, como Carradine, Digby ou ainda o vocalista dos INXS, Michael Hutchence, deixam os seus fãs boquiabertos com o bizarro desfecho das suas vidas. Outros porque - tal como a japonesa Sada Abe, que matou o amante por asfixia e depois lhe cortou o pénis e os testículos acabam por ser inspiração de realizadores de filmes eróticos de culto, como o emblemático "Império dos Sentidos".

Embora possam ser usadas drogas que propiciem a dificuldade de oxigenação no cérebro, o estrangulamento continua a ser o preferido dos aficionados desta prática. "O elemento fundamental nos jogos sadomasoquistas nem sequer é o orgasmo ou o prazer físico sexual", conclui o psiquiatra. "É acima de tudo o prazer que se exerce ou deixa exercer sobre si próprio. É a eterna questão do domínio."

 

(Texto publicado na edição de 30 de dezembro da revista Única)