4 setembro 2009 10:00
Espanhóis realizaram na última semana operação de transplante facial inédita no mundo, ao incluir parte da mandíbula inferior.
4 setembro 2009 10:00
"O paciente já se viu ao espelho, ri-se e está bem". Com este diagnóstico optimista, o doutor Pedro Cavadas (43 anos) resumia a situação do primeiro transplantado facial em Espanha, numa complexa intervenção que precisou da participação de 30 especialistas e quase 18 horas de trabalho, realizada no hospital público La Fe de Valência na semana passada. É a oitava operação deste tipo que se realiza no mundo e a primeira em que o receptor adquire também parte da mandíbula inferior, os dentes correspondentes e parte da língua. Serão precisos seis a oito meses para que se possa garantir o êxito total do transplante e pelo menos dois anos de dura reabilitação física e psicológica.
Diversas fugas de informação e alguns erros permitiram conhecer pormenores da identidade tanto do receptor como do dador da intervenção de Valência. Estas circunstâncias deram lugar a uma extensa polémica pública, porque a revelação de dados sobre os pacientes destas operações está proibida pela Lei de Transplantes. Segundo o doutor Cavadas, chefe da equipa que realizou a operação, "violaram-se todos os códigos éticos". O dador (a quem foram igualmente extraídos o coração e os pulmões para outros transplantes) era um jovem de 35 anos que faleceu num acidente de viação. O receptor foi um homem das Canárias de 43 anos, a quem o tratamento de um tumor facial tinha causado graves deformações e a impossibilidade de comer e falar. Há onze anos que se alimentava através de uma sonda ligada directamente ao estômago e a sua vida era, literalmente, nas palavras de Cavadas, "uma miséria".
As análises prévias para determinar em que momento proceder ao transplante demoraram alguns meses, tal como a preparação psicológica do receptor. Antes de aparecer o dador adequado, que devia ser do mesmo sexo que o receptor e ter características semelhantes quanto à coloração da pele e ao tamanho do rosto, o paciente foi submetido a duas intervenções prévias para identificar a distribuição dos músculos, dos terminais nervosos e dos vasos sanguíneos. A intervenção em si mesma é uma sucessão de dezenas de microcirurgias destinadas a ligar adequadamente todos os canais. No prazo de seis meses o receptor começará a recuperar a sensibilidade no rosto e a tomar alimentos ligeiros. Um longo processo de reabilitação irá ajudá-lo a falar novamente, embora com dificuldades.
Os psicólogos não prevêem que o transplantado tenha grandes problemas em aceitar a sua fisionomia. A pele e o resto dos tecidos musculares da cara do dador adaptam-se à estrutura óssea da face do receptor, pelo que não há risco de parecença física com o dador. De qualquer modo, a estabilidade emocional da pessoa que recebe o novo rosto é fundamental para o êxito da operação. A primeira transplantada facial do mundo, a francesa Isabelle Dinoire, que tinha ficado horrivelmente deformada pelas mordeduras de um cão, levou dois anos a reconhecer como sua a fisionomia reconstruída.
Pedro Cavadas e a sua equipa são pioneiros em operações de risco. Foi o primeiro cirurgião do mundo que realizou um transplante de mãos com êxito. Também mudou de lado o braço de um paciente atrofiado por uma apoplexia cerebral. Está a preparar-se para realizar um transplante de perna.
Texto publicado na edição do Expresso de 29 de Agosto de 2009