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Psicólogo é arguido por quebrar sigilo no caso do violador de Telheiras

13 dezembro 2010 20:24

Rui Gustavo (www.expresso.pt)

Paulo Sargento foi acusado pelo violador de Telheiras de passar informação à TVI. Ministério Público já o constituiu arguido.

13 dezembro 2010 20:24

Rui Gustavo (www.expresso.pt)

O psicólogo Paulo Sargento é suspeito de passar informações confidenciais à TVI sobre um paciente que tratava: Henrique Sotero, o alegado violador de Telheiras, que começa a ser julgado a 14 de janeiro sob acusação de ter abusado sexualmente de 16 raparigas, entre os 13 e os 22 anos.

No dia 30 de março, a TVI exibiu imagens do suspeito a tocar à campainha, a entrar e a sair de um edifício, que se supõe ser o consultório de Paulo Sargento no Campo Pequeno, em Lisboa. As imagens foram anunciadas na rubrica "Crime, disse ele", do jornalista Hernâni Carvalho, durante o programa "Você na TV", de Manuel Luís Goucha. E terão sido captadas um dia antes de Henrique Sotero ser detido pela judiciária.

Paulo Sargento, que agora é colaborador da SIC, já foi ouvido por um procurador da 4ª secção do DIAP de Lisboa - chefiada por João Guerra, que investigou o processo Casa Pia - e foi constituído arguido pelo crime de violação de sigilo profissional. Ao abrigo do Código de Processo Penal, o facto de ser arguido significa que os factos de que é suspeito têm consistência - o que não prova que seja culpado ou que vá ser formalmente acusado pelo Ministério Público.

"Não só não confirmo a identidade de pacientes que trato, como não comento casos que estão em segredo de Justiça", defende-se o psicólogo e professor da Universidade Lusófona. Paulo Sargento estava em estúdio quando as imagens foram mostradas no Jornal da Uma da TVI. Na altura declarou ao "Correio da Manhã" que viu "as imagens quando estava no programa" mas não ficou "com a ideia de onde era aquilo".

Os factos demonstram uma sucessão de acontecimentos, no mínimo, pouco usual: a 5 de março deste ano, Henrique Sotero foi detido pela PJ. Era procurado há meses, a polícia já tinha divulgado um retrato robô que correspondia à sua fisionomia e Henrique Sotero confessou ser ele o violador de Telheiras. Sotero terá tido quatro consultas com Paulo Sargento, entre 26 de janeiro e 4 de março deste ano, um dia antes de ser preso. As consultas terão sido marcadas através do seguro da Zon, onde Henrique Sotero trabalhava como engenheiro.

PJ de fora

Na queixa apresentada à Procuradoria-geral, o advogado de Sotero sugere que o psicólogo revelou à PJ quem era o violador de Telheiras. De acordo com a Ordem dos Psicólogos, caso soubesse que um crime ia ser praticado, Paulo Sargento tinha obrigação de informar a polícia (ver caixa). Uma fonte da PJ assegura que "nenhum dos investigadores deste caso foi ouvido no âmbito de qualquer processo de violação de sigilo profissional ou de violação de segredo de justiça".

Henrique Sotero apresentou queixa contra Paulo Sargento e acusa-o de ter facultado a sua identidade, a hora e o local da consulta a responsáveis da TVI. Hernâni Carvalho, Júlio Magalhães, diretor de informação da TVI, e os jornalistas Carlos Enes e João Pedro Matoso também são arguidos. "Confirmo isso, mas não posso dizer nada sobre a maneira como foi obtida a informação", diz Júlio Magalhães. Hernâni Carvalho, vereador na Câmara de Odivelas, confirma que é arguido: "Não vou dizer nada. O que tinha a dizer disse-o ao procurador que me interrogou. Estou muito curioso para saber o que vão fazer".

Pereira da Silva, advogado de Henrique Sotero, também não quis falar sobre o processo. Mas aquando da exibição das imagens zangou-se. "Isto não é uma telenovela e o meu cliente não é um ator".

Henrique Sotero vai começar a ser julgado a 14 de janeiro do próximo ano. Está a ser avaliado no Instituto de Medicina Legal porque alega que não é totalmente responsável pelos seus atos. Entre abril de 2007 e outubro de 2009 sequestrou, ameaçou e abusou sexualmente de 16 mulheres jovens. Confessou, mas nunca mostrou arrependimento.

 

Risco de novos crimes justifica denúncia à PJ

O psicólogo que acompanhava o homem suspeito de violar 16 mulheres podia, e devia, avisar a polícia. O número de crimes de que é acusado revela "um comportamento contínuo, que só as autoridades têm capacidade para evitar", garante o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Telmo Mourinho Baptista.

Na sua opinião, as consequências dos atos do suposto agressor sexual justificam o incumprimento de um "dos princípios fundacionais da profissão de psicólogo: o respeito e a defesa do sigilo profissional". O bastonário explica que o segredo da relação doente-psicólogo pode ser partilhado com terceiros "quando há risco de a pessoa atentar contra si própria ou contra os outros". No entanto, esta quebra da confidencialidade só pode ser feita "junto de quem tem capacidade para evitar o dano".

Ao Expresso, Telmo Mourinho Baptista não quis revelar se a Ordem dos Psicólogos Portugueses recebeu alguma queixa contra o psicólogo que acompanhou o suspeito, e manteve a mesma discrição sobre as possíveis sanções a aplicar caso fique provado que teve uma atuação reprovável. O bastonário diz somente que as penas podem ir da advertência até à expulsão.

"A Ordem dos Psicólogos Portugueses é recente - eu tomei posse no dia 16 de abril - e ainda estamos a elaborar o Código Deontológico e as linhas orientadoras, com situações específicas relacionadas com o sigilo profissional. No entanto, casos como este terão sempre uma decisão tomada por um conselho jurisdicional". Telmo Mourinho Baptista diz que o 'trabalho de casa' deverá ficar pronto até ao primeiro trimestre de 2011.

V.L.A.

Texto publicado na edição do Expresso de 11 de dezembro de 2010