Piquetes sincronizados nas salas de cinema de pelo menos 21 Estados norte-americanos, em especial nas sessões nocturnas, vão ensombrar a estreia nos EUA de 'Ensaio sobre a Cegueira', no próximo dia 3.

A manifestação é organizada pela NFB (Federação Nacional de Cegos), que considera que adaptação ao cinema da obra de José Saramago reforça estereótipos incorrectos.

O filme do realizador brasileiro Fernando Meirelles é classificado de "ofensivo" pelos cegos norte-americanos. Este será o maior protesto nos 68 anos de história da NFB.

"Ofensivo e assustador"

A ideia dos protestos surgiu depois que sete pessoas ligadas à NFB, três delas invisuais, foram a uma sessão especial em Baltimore, na semana passada. Segundo o porta-voz da Federação, Christopher Danielsen, "todos ficaram ofendidos".

O presidente da Federação, Marc Maurer, mostra-se indignado com algumas passagens do filme. Como aquelas em que os invisuais se agridem e trocam sexo por comida.

Maurer não aceita que o filme retrate os cegos "como monstros", o que considera "assustador". Nem que reforce estereótipos incorrectos, como o de que os cegos não podem tomar conta de si próprios. Para este dirigente associativo esta não é uma alegoria sensata para retratar o colapso da sociedade.

"Nós enfrentamos uma taxa de 70% de desemprego e outros problemas sociais porque as pessoas acham que não podemos fazer nada. E o filme não ajuda a melhorar a situação", frisa o porta-voz da organização.

Recepção morna da crítica

'Ensaio sobre a Cegueira' ainda não estreou em Portugal. O filme, exibido na abertura do Festival de Cinema de Cannes, teve uma recepção morna da crítica. Mas foi elogiado por José Saramago, numa sessão especial realizada no Cinema S.Jorge, em Lisboa.

Na história, uma epidemia misteriosa provoca a cegueira nos habitantes de uma cidade sem nome, que apenas conseguem distinguir uma névoa. As vítimas são obrigadas a estar de quarentena. A actriz Juliane Moore, que faz de mulher do oftalmologista, é a única a não perder a visão, mas finge estar cega para ficar ao lado do marido.

O realizador Fernando Meirelles considerou hoje que há "exagero" nos protestos que o seu filme "Ensaio sobre a cegueira" está a suscitar junto dos invisuais nos EUA, que se queixam da imagem que é passada. "Os personagens do filme não são cegos, são pessoas que ficaram cegas de um momento para o outro, sem nenhum tempo para adaptação. O filme é sobre a natureza humana e não sobre a cegueira", explicou hoje Meirelles citado pelo jornal brasileiro "O popular". "Creio que há um exagero por parte dos manifestantes que protestam apenas baseados no trailer e no livro", afirmou o realizador. "Ensaio sobre a cegueira" é sobre uma estranha epidemia de cegueira branca que gera o caos no seio de uma comunidade, com o instinto de sobrevivência a sobrepôr-se à civilização. O filme, que conta com a interpretação de Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover e Gael García Bernal, foi apresentado pela primeira vez em Maio, na abertura do Festival de Cinema de Cannes e em Portugal tem estreia marcada para 13 de Novembro.