25 novembro 2009 21:57
Videoclubes não param de falir devido à pirataria de filmes. Governo admite cortar acesso à Internet a cibernautas que façam downloads ilegais.
25 novembro 2009 21:57
Em apenas duas décadas, os videoclubes apareceram, conquistaram presença obrigatória em cada bairro e estão agora perto, cada vez mais perto, do fim. Resta um terço dos que existiam nos anos 90, a época dourada das cassetes VHS, e só este ano faliram mais 120. Têm vindo a definhar nos últimos anos, exactamente ao mesmo ritmo com que cresceu a velocidade de navegação da Internet, a tecnologia que vai acabar por ditar-lhes a morte."A generalização da banda larga veio massificar os downloads ilegais. Em poucos minutos, e de forma totalmente gratuita, qualquer pessoa tira um filme da Net, às vezes vários meses antes de estrear em Portugal. É pirataria pura e dura, cometida impunemente todos os dias. Não é possível sobreviver a isto", critica António Carrasco. O empresário sabe bem do que fala. No início da década, chegou a ser dono de oito videoclubes, empregando 24 funcionários. Já teve, entretanto, de declarar a falência de cinco e no próximo mês prepara-se para fechar mais dois e despedir os últimos quatro empregados. Perdeu os clientes mais jovens e são cada vez menos os que ligam para reservar as últimas novidades. Com os filmes acumulados nas prateleiras, actualmente factura metade do que chegou a ganhar.
Acusando o Estado de nada fazer para impedir a pirataria, António Carrasco é o primeiro subscritor de uma moção enviada este mês ao Governo e ao Parlamento, na qual os proprietários de clubes de vídeo avisam que ponderam deixar de pagar impostos. Dizem-se "desobrigados" dos seus deveres fiscais, pelo menos enquanto o Estado for "conivente" com as grandes operadoras de Internet, como a MEO e a ZON, que acusam de "sustentar um negócio de milhões com base na ilegalidade", ao promoverem, nos anúncios, "velocidades de download nunca antes atingidas". E até que as autoridades decidam apertar o controlo sobre os downloads ilegais e aprovem medidas radicais como as que vão agora entrar em vigor em países como a França ou o Reino Unido (ver caixa abaixo).
É isso mesmo que o Governo pondera fazer. Questionado pelo Expresso, o Ministério da Cultura (MC) assume estar preocupado com a situação e anuncia que "é natural que a medida do corte de acesso à Internet possa vir a ser tomada" em Portugal em relação aos cibernautas que fizerem downloads ilegais. Depois de "vários avisos" e "mediante decisão judicial". De acordo com o MC, o assunto pode ficar resolvido já na próxima semana, quando os ministros da Cultura dos 27 se reunirem em Bruxelas para discutir o problema.
Resta saber se a medida vai a tempo de evitar a morte dos videoclubes, que parece já estar mais do que anunciada. São poucas as hipóteses de sobrevivência das lojas de bairro, quando até as grandes cadeias como a Blockbuster assumem registar "uma queda na facturação e viver tempos difíceis e incertos".
Mas os empresários do sector não desistem. Preparam-se para criar uma rede nacional de lojas e investir €10 milhões para "elevar o tradicional conceito de clube de vídeo a um nível de modernidade sem precedentes". Instalar máquinas que fornecem os vídeos em pen drives e outros suportes digitais para que o cliente não tenha de dar-se ao trabalho de devolver o filme é uma das medidas anunciadas. "A nossa morte só virá se a pirataria vencer. E se vencer, não somos só nós, mas toda a indústria cinematográfica que cai", garante Nuno Pereira, porta-voz da Associação de Comércio Audiovisual de Portugal.
De facto, os videoclubes são apenas a face mais visível do problema. Muitos outros sectores da indústria cultural, que representa 8% do PIB, estão sob ameaça. "Em Portugal já houve 60 editoras de vídeo. Hoje sobram nove. Tal como está, a Internet tem desgraçado toda a gente. As indústrias começam, todas elas, a ficar ameaçadas. Estão em causa milhares de postos de trabalhos", avisa Paulo Santos, director da Federação dos Editores de Videogramas.
Video-on-demand não é ameaçaSair de casa para alugar um vídeo parece, cada vez mais, coisa do passado. As operadoras de televisão por cabo disponibilizam milhares de títulos, que podem ser alugados a partir do sofá, com um toque no comando. Mas apesar de parecer (mais) uma ameaça à sobrevivência dos videoclubes de bairro, a verdade é que o video-on-demand (VOD) não parece preocupar o sector. "As pessoas não aderem porque é caro", explica Nuno Pereira, da ACAPOR. Um vídeo mais recente como "Anjos e Demónios", a segunda adaptação ao cinema de um best-seller de Dan Brown, custa €3,50 nos videoclubes da MEO e da ZON, mas pode ser alugado por €2,50 na maioria das lojas de bairro. A diferença no preço prende-se com os "custos de manutenção do sistema tecnológico associado ao VOD, nomeadamente à digitalização e armazenamento digital das obras", explica Paulo Santos, da FEVIP. O facto de terem as novidades dois meses antes de estas estarem disponíveis no VOD é outra das vantagens com que as lojas ainda contam.
França
É já em Janeiro que entra em vigor uma das leis mais restritivas de todo o espaço europeu. O Governo criou uma entidade que vai monitorizar a net e controlar os sites de partilha de ficheiros. Ao terceiro download ilegal de um filme ou de uma música, por exemplo, a pessoa fica sem acesso à Internet por um período de 6 meses a dois anos. É incluída numa 'lista negra' de piratas e proibida de estabelecer contrato de Internet com qualquer operadora.
Inglaterra
No mês passado, o Governo britânico anunciou a meta de reduzir em 70% a pirataria na Internet no espaço de 18 meses. Para isso, foi aprovada uma lei que prevê a redução da velocidade de Internet e o impedimento de acesso a alguns sites para qualquer pessoa que faça três downloads ilegais.
Irlanda
Os internautas irlandeses vão ser impedidos de aceder a sites de download ilegal de música e vídeos. O maior operador de Internet do país, a Eircom, foi o primeiro a bloquear o acesso. Os outros deverão seguir-se, sob pena de enfrentarem processos judiciais.
Suécia
Um tribunal de Estocolmo condenou a um ano de prisão os responsáveis pelo Pirate Bay, o maior site mundial de partilha ilegal de ficheiros. Na semana em que entrou em vigor a lei antipirataria, em Abril, o tráfego de Internet desceu 40% e as vendas de CD dispararam 100%.
Espanha
O Governo de Zapatero anunciou em Outubro a criação de uma Comissão Anti-Partilha Ilegal, envolvendo quatro ministérios, entre os quais o da Justiça e o da Cultura, que promete encontrar soluções para combater o problema, que poderão passar pela diminuição da velocidade de Internet aos infractores.
Holanda
A justiça holandesa ordenou os responsáveis do site Pirate Bay a retirarem, num espaço máximo de três meses, todos os ficheiros protegidos pelos direitos de autor naquele país. Se a ordem não for cumprida, o tribunal obriga os responsáveis a pagar 5000 euros por cada holandês que entre na sua página.
Alemanha
A legislação obriga os sites de partilha de ficheiros a divulgar o IP (identificação do computador) das pessoas que lá carregam ilegalmente conteúdos protegidos por direitos de autor. Foi o que aconteceu à pessoa que colocou na rede, antes da própria estreia oficial, o último CD dos Metallica. A sua casa foi invadida pela polícia e teve de pagar uma multa. Cerca de 500 pessoas já foram notificadas para pagarem 800 euros por descargas ilegais de conteúdos.
União Europeia
O combate à pirataria tem vindo a ser discutido no Parlamento Europeu. Deverá ser aprovada em breve uma directiva que autoriza o corte da net a cibernautas que façam downloads ilegais, mesmo sem uma ordem judicial prévia.
2012
é o nome da megaprodução norte-americana que alcançou este ano o maior sucesso de bilheteiras nos EUA. O filme estreou em Portugal na semana passada, mas muito antes disso já estava disponível para download na net. Só em Março chegará aos videoclubes
1300
é o número de videoclubes que chegou a existir em Portugal na década de 90. Hoje são menos de 500, empregando cerca de 3000 pessoas
120
Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009