4 outubro 2007 18:29
Em entrevista ao Expresso, Karin Wallin, directora do ramo nacional da Humana People to People, responde a todas as acusações e dúvidas sobre o movimento.
4 outubro 2007 18:29
A Humana Portugal é uma organização autónoma ou apenas um braço da Federação Internacional e do movimento Tvind?
É uma associação portuguesa com total autonomia da HUMANA People to People ou da TVIND, que se rege pelos seus próprios estatutos e segundo a vontade dos seus corpos sociais. Isto independentemente do facto de a Associação ser membro com plenos poderes de voto da "Federação das Associações ligadas ao Movimento HUMANA People to People Movement (ou "A Federação HUMANA People to People"). A federação é como que a "instituição-mãe" que ajuda as organizações associadas e coordena alguns dos aspectos das actividades que desenvolvem em comum. Nem a Federação nem qualquer outra organização com ela relacionada interfere ou influencia os destinos e objectivos consagrados nos estatutos da HUMANA Portugal.
Qual é o seu estatuto jurídico (ONG, IPSS...)? Faz parte de alguma plataforma nacional de associações humanitárias?
A HUMANA Portugal é uma associação constituída em 13.07.1998, nos termos do art. 167.º do Código Civil, que nos termos do art. 3.º dos seus estatutos tem como objecto a ajuda humanitária internacional em países e comunidades necessitados mediante a promoção e execução de projectos de ajuda e cooperação para o desenvolvimento de fins de assistência, culturais e educativos. Não pertence e não faz parte de qualquer plataforma de Organizações Não Governamentais Portuguesas.
Como se financia a organização?
A HUMANA Portugal financia a sua actividade através da recolha, selecção e subsequente venda de roupas usadas. Tem um armazém no Montijo onde efectua a selecção da roupa que vai ser vendida nas lojas cinco lojas que tem em Lisboa e Porto. As peças que, pelas suas características, são mais adequadas aos climas africanos são enviadas para a ADPP-Guiné-Bissau, que procede à respectiva venda, utilizando as receitas obtidas nos projectos acima referidos. Os fundos provenientes das vendas acima referidas destinam-se a financiar a estrutura da associação, designadamente, 6 motoristas, 11 funcionários no armazém, 14 funcionários nas lojas, 450 contentores e sua manutenção, aluguer e manutenção de 4 camiões, rendas de 5 lojas e respectivas obrigações fiscais. Para além disso, fruto dos elevados custos de implementação da Associação, a HUMANA Portugal, contraiu uma divida para com a Segurança Social, que, nos últimos anos, tem vindo a regularizar.
A que actividades se dedica?
A actividade da HUMANA Portugal consiste na obtenção de fundos para a prossecução dos objectivos da HUMANA People to People. Para o efeito, a HUMANA Portugal recolhe donativos de roupa usada, que selecciona, tendo em vista a respectiva venda. Os fundos obtidos através desta actividade, parte destina-se a financiar a estrutura da Associação em Portugal, todo o restante é canalizado para os diversos projectos HUMANA People to People que têm vindo a ser prosseguidos em diversos países em vias de desenvolvimento, designadamente, Angola e Guiné-Bissau. Ainda, recentemente, à HUMANA People to People foi atribuído pela OPEC o seu primeiro Annual Award for development.
Na Guiné-Bissau, a HUMANA Portugal tem apoiado e patrocinado directamente três grandes projectos desenvolvidos pela sua associada local ADPP - Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo Guiné-Bissau:
- A Escola de Formação Profissional em Bissorã, cuja criação foi subsidiada pelo Governo Dinamarquês em 1996; é um caso de sucesso. A escola encontra-se em funcionamento, sem interrupção, desde aquela data até aos dias de hoje (mesmo nos anos difíceis de 1998 a 2000), graças aos fundos provenientes da HUMANA Portugal.
- A "Ajuda as Crianças", projecto que incide na região do Oio, tem como objecto sensibilizar e mobilizar as comunidades no desenvolvimento e acesso à educação, ao ensino e à higiene. Este projecto consiste na construção e manutenção de latrinas, poços de água e disponibilizar um acesso melhorado das populações à água potável. A ADPP construiu também nesta região, através dos fundos concedidos pelo Banco Mundial, 20 estabelecimentos de ensino nas áreas rurais, a fim de desenvolver e melhorar o acesso à educação daquelas populações.
- O "Agricultor Tradicional a Agricultor Comercial - ATAC" é um projecto dirigido aos agricultores e passa pelo ensino de novas técnicas agrícolas e de organização, levando-os à obtenção de uma maior produtividade e melhores colheitas, em especial no cultivo do caju.
Os projectos acima referidos foram desenvolvidos e sedimentados fruto das receitas obtidas com as vendas das roupas doadas em Portugal. Efectivamente, o apoio da HUMANA Portugal tem sido fundamental no crescimento destes projectos, em especial, porque os apoios internacionais ao desenvolvimento da Guiné-Bissau são escassos.
A HUMANA Portugal disponibiliza também vários recursos para a escola de Formação de Professores em Huambo da ADPP-Angola. A Escola em Huambo é uma das 9 escolas de Formação de Professores do ensino primário da ADPP em Angola, que, desde 1994, já formou mais de 1700 professores do ensino primário, especialmente preparados para o ensino nas áreas rurais. Este projecto conta com o financiamento do Ministério da Educação, o qual mantém uma colaboração próxima com a ADPP Angola. Entre outros importantes patrocinadores, as escolas em Angola da ADPP, para além da Sonangol, contam com o apoio, da União Europeia, o Governo Espanhol, o Governo Holandês e o Governo Norueguês, e também da Unicef.
É verdade que a roupa de Inverno, brinquedos, livros e comida que são colocados nos contentores são enviados para um aterro, porque não são produtos vendáveis em África?
É verdade que parte da roupa recolhida não pode ser vendida nas lojas HUMANA em Portugal, não serve para enviar para África, nem tão pouco se adequa à reciclagem industrial de fibras (fibras acrílicas, roupas muito danificadas - "trapos"-, brinquedos avariados e até sapatos sem par). Estas "amostras" são entregues pela HUMANA Portugal a uma empresa especializada no tratamento de resíduos contratada para o efeito. Assim, verifica-se que as doações de roupa danificada ou imprópria para a comercialização constitui mais um custo que a HUMANA ficaria satisfeita de poder reduzir.
Como tem conhecimento, existem muitos relatos de voluntários descontentes. É verdade que não têm comida suficiente (apenas duas refeições por dia) durante os seis meses de preparação nas escolas Tvind, e que não têm seguro de saúde? Alguns queixam-se da recolha de fundos a que são obrigados. Quanto tem de angariar cada voluntário? E porquê?
Não concordo com a afirmação de que existam muitas queixas. Estamos a falar de mais de 6.000 voluntários desde a criação da HUMANA People to People, pelo que será normal que entre estes, alguns não tenham ficado satisfeitos com a experiência vivida. Efectivamente, acreditamos que a grande razão para o descontentamento manifestado por alguns consiste na enorme distância entre os ideais de alguém que aspira ser voluntária e a crua e dura realidade que representa viver em países carenciados onde a HUMANA People to People actua. Por vezes o choque da realidade é demasiado violento e os ideais "caiem por terra". Daqui a preocupação e necessidade da criação de escolas para formação de voluntários onde ao mesmo tempo que aprendem a lidar com as dificuldades, têm tempo para decidir se de facto pretender oferecer-se como voluntários. Deste modo, não só as pessoas têm noção da realidade que têm que enfrentar, como também a própria organização tem a oportunidade de avaliar se o perfil de cada um deles se adequa ao trabalho que os espera. A verdade é que, no decurso dos últimos anos, vemos cada vez menos voluntários insatisfeitos. É absolutamente falso que os voluntários recebam apenas duas refeições por dia durante o período de formação. Como se compreenderá, uma das principais preocupações da organização é a boa preparação física dos voluntários antes e durante o desenvolvimento de qualquer projecto.
Quanto à questão da angariação de fundos, refira-se que se trata de um elemento absolutamente fundamental na preparação dos voluntários, para que estes obtenham a devida formação prática sobre a angariação de recursos para o desenvolvimento. Nalguns casos, essa preparação adquire-se através da angariação de fundos propriamente dita; noutros casos, porém, advém do trabalho dentro da própria organização. Em todo o caso, o montante a angariar também varia de programa para programa, mas seja qual for o método, este é detalhadamente explicado a todos os potenciais voluntários antes de decidirem aderir a qualquer projecto. Como é evidente, o trabalho de voluntariado é uma experiência entusiasmante, mas também muito exigente.
A Humana Portugal tem um programa próprio de voluntariado?
Não. A HUMANA Portugal não tem um programa próprio de voluntariado. Todavia, nessa matéria colabora proximamente com outras organizações e instituições da HUMANA People to People. A este respeito, refira-se que são regularmente realizadas em Portugal conferências para divulgação das acções humanitárias aos voluntários interessados. A título de exemplo, a HUMANA Portugal organizou já algumas actividades com grupos de Ingleses e Espanhóis numa acção de recolha de livros para as escolas de formação de professores de Angola e Moçambique. Por outro lado, na nossa equipa em Portugal, contamos com três funcionários, cuja formação teve origem em programas de voluntariado realizados na Noruega e em Espanha.
Na Internet, em vários sites portugueses e em português, existem dezenas de anúncios da Humana a recrutar voluntários. Porém, a organização aparece com vários nomes: "One World Volunteer Institute", "DRH - Travelling High School", "Norwaydrh"... É tudo o mesmo?
As designações "One World Volunteer Institute", "DRH - Travelling High School" e "Norwaydrh" referem-se a algumas das instituições a que acima nos referimos. "One World Volunteer Institute" e "DRH Norway" são duas designações para a instituição norueguesa que prepara voluntários para o desenvolvimento dos projectos da HUMAMA People to People. Existe também uma escola de voluntários no Reino Unido cujo nome é "CICD - College for International Cooperation for Development". Na Dinamarca as escolas designam-se "DRH-Lindersvold" e "DRH-Holsted". Pelo contrário, a "HUMANA España" tem o seu próprio programa de preparação de voluntários, cuja frequência é obrigatória antes da respectiva colocação nos países onde são desenvolvidos os projectos.
Em alguns países, como França e Reino Unido, organizações geridas pela Humana foram encerradas. Alguma vez a Humana Portugal foi alvo de investigação ou queixas judiciais?
É absolutamente falso que a HUMANA, em Inglaterra ou França tenha sido encerrada por determinação judicial ou governamental. HUMANA continua a ter existência no Reino Unido, apenas mudou de nome para TexAid, ainda que hoje em dia não seja já uma associada da HUMANA People to People. Em França, a HUMANA encerrou a sua actividade fruto de um processo de falência resultante do avolumar de dívidas à administração fiscal francesa. Por essa razão, e uma vez que a HUMANA França foi incapaz de criar proveitos para fazer face às dívidas acumuladas a operação chegou a um termo.
Em 2002, a HUMANA Portugal foi objecto de uma investigação, no âmbito da qual foi inclusivamente determinada a apreensão dos seus computadores. Todavia, decorridos que estão cinco anos, a HUMANA Portugal não foi notificada de qualquer acusação ou decisão da administração fiscal relativa a qualquer irregularidade. Como acima se referiu, a HUMANA Portugal, fruto das dívidas que contraiu com a implementação da sua actividade em Portugal - tal como poderia suceder a qualquer outra entidade presente no mercado -, atrasou o pagamento de algumas obrigações fiscais e para com a Segurança Social, situação que tem vindo a ser regularizada tendo inclusivamente celebrado um acordo para pagamento faseado da dívida.
Qual é a relação da associação nacional com a Tvind? E com o Grupo de Professores que a gere? E com Morgens Amdi Petersen?
Conforme acima referido, a HUMANA Portugal é uma associação Portuguesa constituída em Portugal segundo o direito Português. O Teachers Group, que presumo seja o que pretende saber quando se refere a Tvind, é conjunto informal de pessoas que partilham um projecto comum de índole humanitária. Alguns dos membros da HUMANA Portugal fazem parte também deste Teachers Group.
O Teachers Group é uma fonte de inspiração para todos os membros da HUMANA Portugal e de outros países. Os membros do Teachers Group contribuem juntamente com as centenas de funcionários e doadores de roupa que, através do seu trabalho notável e das suas contribuições, conseguiram transformar roupa europeia usada numa importante fonte de receitas utilizadas na preparação de milhares de professores em Moçambique e Angola e na criação de um dos programas mais sólidos e extensos na sensibilização e luta contra o HIV na África do Sul. A HUMANA Portugal está, pois, orgulhosa da sua relação com este grupo de pessoas do Teachers Group, e não faz tensões de a quebrar.
No que respeita às acusações feitas publicamente a este grupo, refira-se que o tribunal dinamarquês, no âmbito do processo mais longo da história judicial do Reino da Dinamarca, em Agosto de 2006, proferiu uma sentença com mais de 4.000 páginas absolvendo os 8 membros do Teachers Group dos crimes por que vinham acusados. Este processo, que nada tem que ver com a HUMANA Portugal ou com a HUMANA People to People, durou mais de 4 anos e teve na sua base uma investigação que envolveu muitos recursos por parte das autoridades dinamarquesas, talvez por isso o Ministério Público tenha decidido recorrer. De facto, a sentença é muito clara na sua decisão de absolvição, tendo mesmo constituído uma surpresa para a comunidade jurídica dinamarquesa o recurso apresentado pelo Ministério Público.
Mogens Amdi Petersen é uma das pessoas que o tribunal decidiu absolver no âmbito da decisão proferida no processo acima referido. É um dos membros do Teachers Groups e não teve nem tem qualquer relação específica com a HUMANA Portugal ou com qualquer organização da HUMANA People to People. Mais se refira que não é nem nunca foi membro de qualquer uma delas ou das respectivas Administrações.
A Humana já foi apontada como uma seita sendo Amdi Petersen o seu guru , que usa a causa humanitaria para angariar dinheiro, dispondo de várias contas milionárias em paraísos fiscais. De facto, Petersen e outros 'professores' voltam a ser julgados em Novembro, na Dinamarca, por fraude. São tudo mentiras?
Uma vez mais, a HUMANA Portugal é uma associação portuguesa. Todas as suas decisões são tomadas pela Administração de acordo com os objectivos previstos nos seus estatutos. Todos os cêntimos gerados pela actividade desenvolvida pela Associação são tão-somente utilizados nas acções humanitárias a que acima já nos referimos. A insinuação da prática de cultos por parte de membros da HUMANA Portugal ou qualquer outra é ridícula e não merece resposta. Quanto à aplicação dos fundos, convidamos o Expresso e os seus Leitores a visitarem as lojas HUMANA Portugal, o nosso armazém ou a nossa presença em qualquer dos projectos acima enunciados, podendo qualquer um verificar a utilização que é dada aos fundos obtidos com a venda da roupa doada
Quanto ao processo na Dinamarca, a resposta está acima, cumpre apenas referir que Amdi Petersen já foi julgado e absolvido, apenas ainda se encontrando pendente o recurso.
A Humana Portugal é apoiada financeiramente ou/e logisticamente por alguma entidade oficial portuguesa? Existem protocolos a nível autárquico?
A Humana Portugal não recebe qualquer apoio financeiro ou logístico para o desenvolvimento da sua actividade em Portugal. Apenas no que concerne à actividade de recolha de donativos de roupa, a HUMANA Portugal tem necessidade de celebrar acordos, tanto com entidades públicas como privadas, para colocação dos contentores HUMANA.