7 dezembro 2007 23:00
O embaixador alemão, sobre quem recaiu a escolha de representar a União Europeia na 'troika' criada no princípio de Agosto, pensa que a Europa vai encontrar uma posição comum.
7 dezembro 2007 23:00
Depois de quatro meses, as conversações sobre o Kosovo terminaram sem resultados. Que teremos agora, uma declaração unilateral de independência?
Deixe-me dizer primeiro que quando a troika se formou, sob a presidência portuguesa, era claro que o objectivo central era apertar o cerco sobre a questão do Kosovo, mas um segundo objectivo importante era saber se, durante a presidência portuguesa, poderíamos criar um sentimento de unidade sobre essa questão entre os membros da União Europeia. É verdade que, sobre a questão da resolução do estatuto, as duas partes falharam um acordo. Mas o fracasso é deles, não nosso. Nós oferecemos-lhes uma oportunidade, eles falharam.
A 'troika' fez tudo o que podia?
Tudo. Não deixámos nenhuma pedra por virar (no stone to unturned). Literalmente, todas as opções humanamente possíveis foram levantadas, discutidas, rediscutidas e rejeitadas ou por um lado ou por outro, ou por ambos. Por isso, quanto ao objectivo de resolver a questão do estatuto, a 'troika' não o conseguiu. Mas quanto ao outro objectivo, o processo da 'troika' habilitou a UE a caminhar num sentido convergente para se manter unida relativamente a essa questão. Para mim, foi um enorme avanço.
Isso foi um objectivo interno...
Sim, mas muito importante porque foi um teste à capacidade da União em conduzir uma política externa de segurança significativa e credível. Isto é Europa, não o Afeganistão, se falharmos aqui, vamos ter sucesso aonde?
A UE vai conseguir uma posição comum?
Sem dúvida. A UE encontrará uma maneira de se manter unida, tal como durante toda a presidência teve uma única posição sobre Kosovo, que eu representei na 'troika'.
Não se pode adiar mais
Mas as negociações não resultaram, de qualquer maneira. O que pode acontecer agora?
A primeira questão é saber se devemos estar de acordo com uma nova volta de negociações, como alguns propõem, a Sérvia ou a Rússia. Fizemos um trabalho profundo neste formato de negociações, envolvendo a Sérvia e o Kosovo, e pedindo-lhes que encontrassem uma solução e não conseguimos um acordo ao longo de 120 dias. Martti Ahtisaari também não, durante quase dois anos. Os que pensam que, adiando uma decisão sobre o Kosovo propondo outra volta de negociações, conseguirão alguma coisa, estão a cometer um erro de julgamento. Adiando, só conseguiremos extremar ainda mais as posições dos dois lados e, eventualmente, criar mais, e não menos, riscos no terreno. Chegou a altura de tomar decisões - e é esse o desafio para o Conselho de Ministros da próxima semana.
É isso que consta do relatório que apresentará?
O relatório da 'troika' é sobre o processo. Não se pode esperar que uma 'troika' com um membro russo proponha sugestões ou propostas. No relatório oficial que será entregue este fim-de-semana às Nações Unidas, dizemos o que fizemos, as propostas que foram levantadas, mas não faremos nenhuma proposta adicional.
Haverá uma reunião do Conselho de Segurança a 19 de Dezembro. Poderá ser tomada uma decisão antes do Natal?
Como diplomata sou sempre optimista. Mas, realisticamente, é difícil imaginar que, depois das partes não terem conseguido chegar a acordo durante o processo da 'troika', o Conselho de Segurança consiga decidir, ainda por cima se em Julho também não o conseguiu a respeito do plano Ahtisaari. Infelizmente, não acredito que o Conselho consiga encontrar uma linguagem em que todos concordem sobre o estatuto do Kosovo.
Que solução possível?Portanto, será muito complicado. Não se pode adiar mais a situação, os EUA pressionam por um reconhecimento da independência, os kosovares querem-na e são agora representados pelo homem, Hashim Thaci, que libertou o Kosovo e que adquiriu uma legitimidade democrática em eleições. Qual é a solução? Há outra, sem ser a independência?As ideias que são populares na Sérvia, de ter o Kosovo como província da Sérvia gozando de uma ampla autonomia, são difíceis de aceitar. É-me muito difícil imaginar que nós, europeus, e a comunidade internacional, pudéssemos tomar decisões que autorizassem semelhante retransferência de Kosovo para a Sérvia. Não é razoável. Não esqueçamos que a proposta de Ahtisari, feita em nome da ONU, era conceder uma independência supervisionada (vigiada) - um conceito que os kosovares aceitaram e continuam a aceitar até hoje. Então a UE, depois de ter mais ou menos apoiado o plano Ahtisaari, iria agora dizer, "desculpem, pensámos melhor e afinal vocês não podem ter um certo grau de independência?"
E a Sérvia percebe isso?Razões do fracasso
Mas a Sérvia continua a dizer que é possível um acordo. É?
A Sérvia diz que é possível um acordo, se o Kosovo aceitar voltar a ser uma província da Sérvia.
Foi essa a razão do fracasso das negociações?
Sim.
Quem está certo e quem não está? Não sou eu que vou julgar quem está mais um bocadinho certo ou errado. Para mim, como negociador, sem julgar os valores morais de uma ou outra posição, o que me interessa é saber se conseguimos um acordo. E digo-lhe: tentámos mesmo muitíssimo. Por causa do Kosovo, viajei nestes 120 dias 980 mil quilómetros em busca de um compromisso! Nós trabalhamos a sério e toda a 'troika' foi um corpo de pessoas muito experientes e profissionais, com muito bom apoio, europeu, americano e seguramente também russo, tivemos excelentes negociadores do lado russo e americano, trabalhámos juntos. A 'troika' foi um instrumento diplomático altamente eficaz. Ninguém pode dizer que algum outro processo negocial levaria a melhores resultados. Não acredito que seja possível.
Uma margem de manobra estreita
O sr. teve a tarefa mais difícil, porque representou 27 Estados, e os negociadores americano e russo apenas um.
Sim. Tive a dificuldade de tentar contentar 27 governos diferentes, mas também por causa disso tive mais capacidade de manobra e mais responsabilidades e obrigações, viajando, consultando e telefonando mais do que os meus dois colegas.
Mas a margem de manobra destas negociações foi sempre muito estreita...
Foi claro, desde que a 'troika' foi criada, no final de Julho, que isto seria uma tentativa adicional para ter a certeza que podíamos dizer que foram feitos todos os esforços razoáveis de negociação. Em Julho, nem todos os europeus pensava, que se tinha tentado tudo. Nesse sentido, o processo da 'troika' foi um passo necessário para o processo europeu criar um consenso, sobretudo entre aqueles membros que tinham dificuldades em aceitar a ideia de um Kosovo independente, fazer entender a todos que realmente todas as possibilidades de negociação foram tentadas até à exaustão. Isto foi muito importante para a UE, e não apenas para o processo internacional, e muito menos para os EUA ou para a Rússia, cuja posição não mudou. Na Primavera ou no princípio do Verão, ainda não tínhamos uma posição comum. Creio que temos agora uma maior expectativa de unidade europeia e uma capacidade de agir posteriormente a qualquer decisão que for tomada nas próximas semanas.
Apesar disso, alguns países europeus continuam a dizer que reconhecer a independência do Kosovo seria um "erro fatal", tal como afirmou há dias o primeiro-ministro eslovaco.
Discordo. Creio que, quando o comboio deixar a estação, muito poucos europeus ficarão para trás.
Isso quer dizer que os kosovares vão decretar a independência, eventualmente depois de consultarem os EUA e a UE?
Não, os kosovares irão consultar os Estados Unidos e a União Europeia relativamente à decisão que querem tomar e desejam actuar em concordância com eles. Não vou especular sobre o que vai acontecer, quando e como. Tudo o que digo é que, quando o comboio deixar a estação, muito poucos ficarão para trás. Não irei além desta declaração.
A falhada proposta europeia
Como negociou, sabendo a inflexibilidade das partes?Quando descobrimos que não havia nenhuma esperança de preencher a distância entre a independência e a autonomia substancial, desenvolvemos as nossas próprias ideias, no que fomos encorajados pelo Grupo de Contacto (Alemanha, França, EUA, Rússia, Reino Unido e Itália) Elaborámos um documento oficial conhecido como o 'documento dos 14 pontos', que tentava ir de encontro dos pontos em que as partes estavam mais próximas. Tivemos intensas discussões a propósito deles e, nessa base e por minha iniciativa, desenvolvemos a ideia de um acordo - daí a ideia alemã que circulou de fazer um acordo que deixaria de lado a resolução da questão do Estado, organizando uma relação normal entre o Kosovo e a Sérvia, ao criar corpos comuns, um concelho parlamentar, consultas entre sérvios e kosovares, etc.
A minha proposta autorizaria a Sérvia a continuar a reclamar que Kosovo era parte da Sérvia, mas também permitiria aos kosovares dizer que desejavam declarar a independência, deixando de lado a questão do Estado. Haveria obrigações que os dois lados assumiriam e que continuariam a existir, mesmo que mudasse a questão do Estado. A ideia seria interessante para a Sérvia, penso, mas ela rejeitou-a e acho que foi um erro. Exactamente porque não só lhe permitiria manter a sua reclamação face ao estatuto do Kosovo - por meios pacíficos, claro - mas também obrigaria os kosovares a consultar a Sérvia sobre qualquer assunto relativo à minoria sérvia. Sem esse acordo, a Sérvia não tem agora nenhuma alavanca ou controlo sobre o que pode acontecer a essa minoria. O meu ponto era: este acordo não vos dá a certeza que os kosovares se vão tornar independentes, mas dar-vos-á uma maneira de tomar conta das preocupações da minoria sérvia. Oferecemo-vos uma alavanca, influência e uma obrigação para o Kosovo. A Sérvia rejeitou porque a sua objecção central é o princípio legal da integridade territorial e da soberania e não quis fazer um compromisso sobre isso de maneira nenhuma.
E os albaneses aceitaram?
Não, porque foi rejeitado liminarmente pelos sérvios e não aceite pelos russos. Por isso não a pudemos apresentar como uma proposta oficial da 'troika'. Mas estou convencido que aceitariam.
Foi então uma proposta europeia?
Foi uma proposta euro-americana, elaborada com a Rússia, embora ela tenha decidido não a apresentar como uma proposta da 'troika'. Trabalhámos os três nela, mas a Rússia não quis endossá-la. Ficou claro, então, que a Rússia não iria pressionar, pelo que foi fácil para a Sérvia rejeitá-la. Tenho pena não ter sido possível ir mais longe. Agora não há nada que os ligue, nem obrigações mútuas, consultas, órgãos comuns. Seria mais difícil haver uma crise. Lamento que não tenha havido um acordo em geral e em particular que esta ideia tenha sido rejeitada por aqueles que têm responsabilidades na Sérvia.
Rússia participou activamente
E quanto ao plano Ahtisaari, está definitivamente morto?
Talvez não oficialmente, mas tem sido consistentemente rejeitado pela Sérvia e a Rússia, e por isso as hipóteses de ressurreição são muito fracas.
Então agora as coisas passam para as mãos do Conselho de Segurança?
Sim. O mandato da 'troika' termina na próxima segunda-feira e o meu papel acaba. Se houver decisões, serão tomadas pela União Europeia, o Grupo de Contacto, a comunidade internacional, mas o processo da 'troika' acabou. Acabámos o nosso trabalho, mas infelizmente isso não significa que o problema do Kosovo tenha deixado de existir, e continuará a provocar ainda muitas dores de cabeça.
Tiveram muitas discussões no âmbito da troika?
Centenas de horas, muito intensas, a vários níveis, não só dos negociadores, mas também do 'staff'.
Podemos então dizer que a Rússia fez esforços para resolver a situação?
Claro, participou activamente e até certo ponto de modo construtivo. Todos têm os seus interesses nacionais. Não me estou a queixar do papel da Rússia, mas lamento que ela não tenha apoiado a proposta do "Estado de lado". Mas eles têm as suas razões nacionais e o Presidente e o primeiro-ministro da Sérvia também. Eram eles que vinham às reuniões, assim como do lado kosovar. Tivemos a mais alta representação dos dois lados, em reuniões que duravam um dia inteiro, mesmo três dias, como aconteceu em Viena na semana passada.
E as consequências?
É comummente admitido que haverá uma declaração de independência no final de Janeiro. O que teme mais: nova escalada de violência, uma intervenção sérvia, a separação da parte norte do Kosovo?Seja o que for que aconteça nas próximos dias, semanas e meses, não haverá necessidade de escalada de violência, embora partilhe da preocupação que possa haver actos provocatórios dos dois lados. Mas a comunidade internacional, a ONU e a NATO estão suficientemente preparadas para esse tipo de contingências. Não temos que fazer cenários apocalípticos. E nós devemos ser muito claros em dizer que não toleraremos sangue e violência. A KFOR tem um mandato claro para o impedir e fá-lo-á, bem como a polícia da ONU. Vai ser um processo difícil, porque há diferenças fundamentais na região sobre como prosseguir. As coisas não serão fáceis, mas talvez que no final deste processo - que é a resolução final do processo de dissolução da Jugoslávia, que começou há 15 anos - os Balcãs estejam numa posição melhor para olhar para as questões realmente importantes, que são, nomeadamente, a sua relação com a União Europeia.
É pena que tantos líderes sérvios se preocupem mais com o Kosovo do que com o seu próprio futuro na UE. O Kosovo é um fardo político pesado que bloqueia a visão de oportunidades e desafios do futuro. Felizmente este assunto pode ser resolvido proximamente. Para sérvios e kosovares, haverá um futuro sem sangue, mais estável e seguramente mais próspero. É a minha esperança.
A Europa e EUA não criaram este problema?
Não!
Por causa da guerra, das promessas feitas durante oito anos aos kosovares e de punições aos sérvios...
A Sérvia diz que é punida, mas não estou de acordo. Milosevic foi punido, mas na UE estamos totalmente conscientes de que há um governo sérvio completamente diferente e por isso iniciámos um Acordo de Associação e Estabilização. Punir os sérvios é a última coisa que a UE quer, mas sim que ela aja de modo a tornar-se um país respeitável. Livrem-se de Mladic, satisfaçam a sra. Del Ponte! Tornem mais fácil para a UE abrir as portas! Queremos abri-las para que a Sérvia entre, mas ela tem de o querer. Espero que uma futura resolução - que espero que haja - torne o futuro mais fácil.
Precedente, sim ou não?
Quais serão as consequências de um não-acordo e da declaração de independência para a região - a Bósnia-Herzegovina, a Macedónia, a própria Sérvia e a sua minoria albanesa do vale do Presevo - e para o mundo, se o Kosovo for visto como um precedente?
Seja qual for a solução para o Kosovo, não há nenhuma razão para ser usada como precedente por ninguém. O Kosovo é caso único. Não é correcto argumentar que a solução que for encontrada para o Kosovo seja também a correcta para a República Sérvia da Bósnia, por exemplo. É absurdo. As resoluções da ONU requerem a procura de um estatuto final para o Kosovo. Há oito anos que andamos nisto! Não existe nenhuma resolução a pedir o mesmo para a Bósnia, o seu estatuto foi decidido em 1995.
Mas isso é um argumento legal...
É político. E é ilegal para qualquer um que julgar que essa solução se lhe aplica. Não. Kosovo é único. É um processo completamente diferente. Fico zangado quando as pessoas perguntam que efeito dominó isto pode produzir. Não deve produzir nenhum, porque todos serão ilegais. O Kosovo não deve ser visto como precedente, independentemente de qualquer solução, negociada ou não, mantendo-se em aberto ou o que for. Houve uma decisão final sobre a Bósnia e, quanto aos casos do Vale do Presevo ou da separação de Mitrovica, é um assunto interno. Não há nenhum mandato sobre qual será o estatuto do vale do Presevo ou de Mitrovica.
O Kosovo é o Kosovo e as suas fronteiras estão claramente definidas. Temos compromissos de ambas as partes - sérvia e kosovar - de que não estão interessadas em mudança de fronteiras, nem em partilha. Essa questão foi levantada no processo da 'troika' e decidida negativamente por ambos os lados. A partilha não é uma opção, segundo o que ambos nos disseram na mesa das negociações. Essas opções não são válidas e só são levantadas por quem quer argumentar que o Kosovo terá repercussões perigosas na região. Só as haverá se alguém quiser que haja.
Um futuro europeu
E a NATO e a UE terão problemas outra vez! No princípio, finalmente, tudo era ilegal, quando começou a insurreição no Kosovo, na Croácia ou na Bósnia, só depois da guerra se gerou outra situação
Não quero ir por aí. A Comissão Badinter levou anos a estudar as ramificações legais da dissolução da Jugoslávia. A questão do Kosovo não é mais complicada do que as outras que foram resolvidas, começando pela Eslovénia, a Croácia, ou o Montenegro, mais recentemente. Vamos simplesmente esperar que este processo se finalize pacificamente. Espero que a perspectiva europeia para a Sérvia e Kosovo e para toda a região seja mais viável e operacional, mais positiva - é esse o seu futuro.
E pensa que a NATO ou a UE terão que permanecer muitos anos no Kosovo?
Não sei quantos anos, porque sempre nos enganámos. Normalmente, estes processos demoram mais do que pensamos. A NATO, a UE e talvez também a ONU devem ficar lá quanto tempo for preciso para criar uma estabilidade auto-sustentada.
E eventualmente a independência...
Independentemente disso. A estabilidade pode requerer muitos anos. Quantos? Não se sabe. Lembro-me que na Bósnia, o Presidente Bill Clinton falava num ano. Já vamos em 12 e ainda não acabou!
Como vê o desempenho da presidência portuguesa neste assunto?
Excelente! Foi muito importante porque fizeram um fantástico trabalho, permitindo à UE ter tempo suficiente para discutir todas as questões relevantes. Foi muito importante, por exemplo, que os MNE's discutissem várias horas muito intensamente a questão do Kosovo durante o GYMNICH, em Viana do Castelo. Fizeram um excelente trabalho conduzindo este processo. Há duas semanas estive toda uma manhã em Lisboa a discutir com o ministro Luís Amado e os seus conselheiros e penso que estabelecemos uma boa relação. Estou agradecido pela orientação. Fizeram um muito bom trabalho, e isto apesar do Kosovo não estar na sua vizinhança imediata.
Artigo publicado na edição do Expresso de 08 de Dezembro de 2007, 1º Caderno, página 37.