6 abril 2009 20:08
A política deu-lhes visibilidade e protagonismo. Cansados ou afastados dela optaram pela vida empresarial, onde ganharam fortunas.
6 abril 2009 20:08
Exibem uma imagem de homens sérios, hirtos e às vezes sisudos. Mas quem os conhece bem, gaba-lhes o gosto pela ironia e o riso fácil. Têm em comum o sentido de humor. Contam piadas e anedotas até nas reuniões mais formais. São meia dúzia de nomes sonantes, ex-políticos, que trocaram os gabinetes ministeriais por importantes cargos administrativos em empresas públicas e privadas. A vida tem-lhes corrido bem. A maioria enriqueceu depois de ter passado pela actividade pública. Há quem lhes chame artilheiros, por dispararem para todos os lados. A verdade é que souberam angariar e manter contactos que lhes foram de grande utilidade e deles tirar partido quando chegaram à vida civil. São os verdadeiros boys de luxo dos principais partidos nacionais.
Manuel Dias Loureiro é talvez um dos casos mais exemplares de alguém que soube aproveitar bem o estatuto que adquiriu e os contactos que fez durante o tempo que esteve na vida política activa. Sétimo filho de uma família de comerciantes, nasceu em 1951, em Aguiar da Beira. De promissor advogado passou a governador civil de Coimbra. De secretário-geral do PSD subiu a ministro todo-poderoso. É-lhe atribuída a célebre frase dirigida ao pai via telefone quando soube que ia integrar Governo: "Pai, já sou ministro". Dias Loureiro nega ter dito tal coisa. Chegado ao poder nunca mais parou. A política ofereceu-lhe visibilidade, mediatismo e uma mão-cheia de bons contactos. Os negócios a que se dedicou, depois, renderam-lhe milhões.

Sabe fazer amigos e preservar as amizades. Foi Dias Loureiro que apresentou, de forma elogiosa, a biografia do primeiro-ministro, "Sócrates, o menino de ouro do PS". Mas foram os dez anos de cavaquismo que lhe abriram as portas para a subida meteórica dentro do PSD. Primeiro como secretário-geral, numa fase em que as finanças do partido andavam pelas ruas da amargura, e depois como ministro: dos Assuntos Parlamentares primeiro e da Administração Interna, depois. Cargo que o ligará para sempre à carga policial com que foi resolvido o bloqueio feito pelos camionistas na Ponte 25 de Abril.
Diz o próprio que jogou e ganhou dinheiro durante a euforia bolsista dos anos 80, ao aplicar uma parte da fortuna do sogro, um abastado proprietário de Dornelas. Quando deixou o Governo, ingressou no escritório de advogados do amigo Daniel Proença de Carvalho, que conhecera em 1986 na campanha de Freitas do Amaral para a Presidência da República, e aí fez consultoria jurídica. Rapidamente cedeu às tentações do mundo dos negócios e aceitou o convite de José Roquette para integrar a Plêiade (um grupo dedicado a infra-estruturas e energia que apostava forte no Norte de África). Os contactos que estabelecera enquanto governante revelavam-se preciosos, e, através de um ministro marroquino próximo do Rei Hassan I, consegue a concessão do fornecimento de água e electricidade a Rabat. Cinco anos depois, Roquette propõe vender-lhe a empresa e Dias Loureiro cativa José Oliveira Costa para o negócio. O antigo secretário de Estado de Cavaco (agora em prisão preventiva) oferece quase 55 milhões de euros e Dias Loureiro encaixa 8,2 milhões de euros, cinco dos quais aplica na Sociedade Lusa de Negócios (SLN). Torna-se administrador do grupo detentor do BPN e de várias empresas herdadas da Plêiade. Dava assim o passo para os negócios que haveriam de fazer dele um dos homens mais bem sucedidos do país.
Foi durante os anos de ligação à SLN que a sua empresa de consultoria prosperou. Em 2001, o volume de negócios foi de 202 mil euros declarados, e, um ano depois, já atingia os 1,5 milhões de euros. Num ano declarou cerca de um milhão de euros de rendimentos, superiores ao do homem que mais portugueses emprega no país a seguir ao patrão Estado, Belmiro de Azevedo. É conselheiro de Estado e o seu nome está na praça pública, por alegadas irregularidades no caso da gestão do BPN.
Vive actualmente no Monte Estoril, numa casa adquirida por mais de 2 milhões de euros, onde exibe uma importante colecção de obras de arte. Gosta de caçar e jogar golfe. Casou-se, numa cerimónia discreta, no passado fim-de-semana. É amigo de infância de Jorge Coelho, a quem um dia Almeida Santos chamou de "buldózer".
Coelho foi acusado de ser o responsável pela entrada de 100 mil boys nos quadros do Estado. Mas 'Coelhone', como ficou conhecido pelos bonecos do Contra-Informação, na RTP, cansou-se da política, pelo menos tão activamente, e é hoje um dos homens-fortes da Mota-Engil, uma das principais empresas nacionais de construção. Há quem também lhe atribua uma forte influência no grupo espanhol Prisa, que adquiriu a Media Capital.
Nascido em Contenças, uma aldeia do concelho de Mangualde, distrito de Viseu, a 17 de Julho de 1954, é filho de um dono de uma empresa de materiais de construção. O pai, de quem herdou o nome, morreu cedo, fulminado à frente do filho por um ataque cardíaco. Após a tragédia familiar ficou a viver com a mãe e o avô, um cacique local da União Nacional. Apesar desta influência, nunca aceitou os ideais nacionalistas de Salazar. Quando foi estudar para Coimbra deixou-se contaminar pela política, primeiro na UDP e depois no PS. Em 1983, pelas mãos de Murteira Nabo, chega ao Governo. Em paralelo com a actividade governativa, Coelho construiu um império de influências. Com a vitória de Cavaco Silva, foi para secretário-geral da Carris, onde entrou a convite de Consiglieri Pedroso, outro socialista.
Ali ficou até 1988. Altura em que foi para Macau, sob a administração de Carlos Melancia, para sempre ligado ao caso do fax de Macau. Ali exerceu os cargos de chefe de gabinete do secretário de Estado-adjunto dos Assuntos Sociais, Educação e Juventude e secretário-adjunto para a Educação e Administração Pública do executivo de Macau. A partir de 1991, o ano da vitória de António Guterres sobre Jorge Sampaio, domina o aparelho socialista. Chegava a falar mais de 200 vezes por dia ao telefone e nem um tumor num ouvido o fez abdicar da dependência do telemóvel. Os inimigos descrevem-no como "um lobo com aparência de cordeiro" e atribuem-lhe a máxima "de que todos os meios são bons para atingir os fins".
Poderosas foram também as influências políticas de Joaquim Pina Moura. António Guterres, durante o tempo em que exerceu as funções de primeiro-ministro, chegou mesmo a apelidá-lo de cardeal, inspirado em Richelieu, o homem que governou a França em nome de Luís XIII. Filho de um veterinário e de uma professora primária acumulou contactos, experiência e cargos de poder. Nasceu em Loriga, Gouveia, em 1953. Desde cedo aprendeu a controlar o seu próprio destino.

É há muito apontado como o "homem dos espanhóis" em Portugal. Primeiro assumiu a presidência para o mercado português da Iberdrola (a mesma empresa que entrou na Galp quando ele era ministro da Economia) e deixou a Assembleia da República para governar os destinos da Media Capital (dona da TVI), a convite também de uma empresa espanhola, a Prisa, ligada ao partido socialista de Zapatero. Deixou recentemente o cargo para se dedicar, como disse, "em exclusivo à Iberdrola" numa altura em que a empresa espanhola ganhou, em Portugal, a construção de quatro barragens e a exploração da barragem de Castelo de Bode.
Não faltaram críticas a Joaquim Pina Moura, quando no exercício do seu mandato de deputado acumulou o cargo de administrador da empresa eléctrica espanhola Iberdrola. Ex-comunista, ex-ministro e ex-deputado tornou-se um estratego habilidoso. Metódico e pragmático nunca gostou de perder tempo em discussões inúteis. Adepto do FCP, partilha com a mulher o gosto por peças de artesanato e tem uma colecção de soldadinhos de chumbo.
Também a Armando Vara a vida tem corrido bem. Natural de Trás-os-Montes, nasceu no seio de uma família modesta. Aos 14 anos já era empregado de balcão na mercearia da terra onde nasceu, em Vinhais. Trabalhou em vários escritórios da região até chegar a bancário numa agência da Caixa Geral de Depósitos, em Mogadouro. Logo após o 25 de Abril filia-se no PS. Dez anos depois já era deputado na AR. Através de José Sócrates, de quem se tornou amigo, aproximou-se de António Guterres. É ele quem o convida para secretário de Estado da Administração Interna e depois para ministro-adjunto do primeiro-ministro. Chegou a ministro da Juventude e Desporto, cargo do qual se demitiu devido a notícias sobre alegadas irregularidades cometidas pela Fundação para a Prevenção e Segurança, que fundara no ano anterior, quando era secretário de Estado. As acusações não foram provadas e, em 2005, a Procuradoria-Geral da República arquiva o processo. Um ano antes já era administrador da CGD e em Janeiro de 2008 é eleito vice-presidente do Millennium bcp. É licenciado em Relações Internacionais pela mesma instituição que passou o diploma ao actual primeiro-ministro, entretanto proibida de leccionar e encerrada, a Universidade Independente.
Dizem os colegas do banco que é dedicado ao trabalho e apaixonado pelos projectos. É conhecido por ser dos primeiros a chegar e dos últimos a sair. Apesar desta subida vertiginosa, mantém alguns hábitos antigos: todos os anos, convida um grupo restrito de amigos, onde se incluem Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, e Joaquim Oliveira, dono da Controlinveste, para irem à Feira de Fumeiro de Vinhais. Em Lisboa, faz marcha e não perde um jogo do Benfica. Actual vice-presidente do Millennium bcp, vai ser o responsável máximo pelas operações do banco em Angola, que a instituição elegeu como um dos seus mercados prioritários.
Outras figuras catapultadas directamente da política para a banca foram Fernando Nogueira e Celeste Cardona. O primeiro foi ministro-adjunto, ministro dos Assuntos Parlamentares, ministro da Presidência, ministro da Justiça e de depois da Defesa, antes de ser nomeado responsável pelo banco BCP em França. Presidiu ao Millennium em Angola e é actual secretário-geral da Fundação bcp Millennium, em Lisboa. Já Celeste Cardona, que não chegou a aquecer a cadeira da Justiça, no Governo de coligação PSD/CDS-PP, passou, sem perder tempo, das funções governativas para a administração da Caixa Geral de Depósitos, debaixo de fortes críticas. Com a ascensão de Faria de Oliveira à presidência, Celeste Cardona foi transferida para o BCI Fomento como administradora não-executiva, cargo que aceitou, "com muito gosto", como a própria referiu.
A banca foi, ao longo dos últimos anos, um dos sectores que mais acolheu nos seus quadros e conselhos de administração ex-governantes, especialmente ex-ministros das Finanças. Nomes relevantes como os dos socialistas Vítor Constâncio (BPI e mais tarde Banco de Portugal), António Vitorino (Santander-Totta) e dos sociais-democratas, Mira Amaral (BPI/CGD), de onde saiu em 2004 com uma reforma mensal de 18 mil, Miguel Beleza (BCP), Manuela Ferreira Leite (Santander-Totta), Miguel Cadilhe (BCP) e Carlos Tavares (CGD/BPSM/STA). Bagão Félix (BCP) ou Oliveira Costa (BPN), foram membros de órgão sociais da banca privada nacional.
Há casos como o de Paulo Teixeira Pinto que chegou mesmo ao topo do maior banco privado nacional. Ex-secretário de Estado da Presidência e porta-voz de Cavaco Silva, Teixeira Pinto foi um homem que subiu a pulso. Nascido em Angola, veio para Portugal depois do 25 de Abril. Com a descolonização, a família perdeu tudo aquilo que tinha amealhado. Fez, ao mesmo tempo e em duas faculdades distintas, dois cursos de Direito. Foi professor em ambas as instituições até ser convidado para integrar o segundo Governo de Cavaco Silva. Finda essa experiência, onde se destacou, ingressou nos quadros do BCP tendo assumido a assessoria jurídica. Quatro anos depois foi nomeado secretário-geral da sociedade, e, em 2005, assumiu a presidência do maior banco privado nacional, tendo renunciado ao mandato em 2007, sob fogo cruzado com o fundador da instituição, Jardim Gonçalves. Decidiu não trabalhar nos próximos anos para qualquer outro banco. É hoje consultor em várias empresas, vice-presidente da Universidade de Lisboa e dedicou-se, em paralelo, ao negócio da edição e à pintura.
Quem nunca negou que a política e as relações que estabeleceu enquanto político ajudavam nos negócios privados foi Ângelo Correia: "A política dá uma base de conhecimentos e experiência muito grandes. Que ninguém diga que não beneficiou nada com o facto de ter passado pela política".
Ao longo de toda a vida sempre soube identificar as pessoas certas e relacionar-se com elas. Nasceu e viveu até aos 24 anos em quartéis da GNR. Fez a tropa em Timor, onde conviveu com os actuais líderes daquele país. Desse período mantém contactos e uma relação próspera com empresas do ramo petrolífero, com as quais ficou a trabalhar. Tem uma forte relação com o mundo árabe, nas áreas das tecnologias do ambiente e consultoria. Diz ter uma relação desprendida com o dinheiro, não sabe quanto tem nem quer saber.

Já a escolha de Fernando Gomes para a administração da Galp foi tão estranha para o próprio como para o resto do país: no dia em que soube do novo emprego confessou: "fiquei surpreendido com a nomeação". De facto, Gomes não tinha motivos para esperar este cargo. Não só não se lhe conhece currículo significativo na área petrolífera, como foi nos últimos 20 anos um político profissional.
As fundações são outro porto de abrigo: Valente de Oliveira, social-democrata que integrou vários Governos, de Cavaco a Barroso, é administrador da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. A instituição é presidida pelo amigo Rui Machete, antigo ministro da Justiça de Cavaco. Leonor Beleza, ex-ministra da Saúde, e eternamente ligada ao caso dos hemofílicos, dirige a Fundação Champalimaud. Marçal Grilo, o contestado ministro da Educação do tempo de Guterres, é administrador da Fundação Gulbenkian, onde também está Teresa Gouveia, ex-ministra da Cultura.
Ir para o estrangeiro é sempre outra opção e há quem esteja em verdadeiras 'gaiolas' douradas: Ferro Rodrigues aceitou o cargo de embaixador de Portugal na Organização para o Cooperação e Desenvolvimento da Europa (OCDE), desde que deixou a liderança do PS na sequência da decisão de Jorge Sampaio aceitar Santana Lopes para formar Governo sem eleições; Manuel Maria Carrilho mudou-se para Paris como embaixador de Portugal na UNESCO, depois de ter perdido as eleições à Câmara de Lisboa.
Mas também no estrangeiro há bons exemplos de ex-políticos que estão hoje a fazer assessoria e consultoria em empresas privadas. É o caso de Tony Blair, que depois de dez anos a governar a Inglaterra em nome dos Trabalhistas é hoje um dos homens mais bem pagos da Europa, cobrando entre 125 e 250 mil euros por cada uma das conferências que faz pelo mundo. Além disso, conseguiu um salário de luxo como consultor no banco americano JP Morgan, que agora está no centro do furacão da crise económica mundial. Cobra por esse trabalho 800 mil euros e confessou ao "Financial Times" que estava disponível para aceitar posições noutras empresas. Aceitou, entretanto, o cargo de conselheiro para as relações internacionais e questões ambientais da Zurich Finantial Services.
Também Gerhard Schroeder e José María Aznar se deixaram seduzir pela tabela de preços do sector privado. O primeiro, depois de deixar a Chancelaria alemã, passou a representar os interesses da Gazprom, o gigante russo do sector energético; e Aznar ocupa um alto cargo no império de media de Rupert Murdoch. São poucos os que fazem como Charles de Gaulle, que se retirou do mundo para Colombey-les-Deux-Églises, uma pequena vila na França profunda, para escrever as memórias.
Texto publicado na edição do Expresso de 4 de Abril de 2009