10 agosto 2009 11:00

Mário Bento (assinalado pelo círculo) em Outubrio de 1969, na Guarda, de que era governador civil, protege Marcelo Caetano, em campanha eleitoral
arquivo "diário de notícias"
Na manhã do dia 25 de Abril, Mário Bento ainda usou o lápis azul como director da Censura. O Expresso era um dos jornais que lhe dava mais dores de cabeça. A 26, já não assistiu ao assalto da sede do Exame Prévio por uma pequena multidão.
10 agosto 2009 11:00
Mário Bento foi o último director da Comissão de Exame Prévio - o nome com que Marcelo Caetano baptizara os serviços de censura à imprensa. A caminho dos 82 anos, e pela primeira vez, o homem do lápis azul aceitou falar com um jornalista sobre uma função que desempenhou durante os últimos 13 meses da ditadura, mas de que está longe de se orgulhar.
No dia 25 de Abril ainda esteve no seu posto, na rua das Gáveas, ao Bairro Alto. Por inacreditável que pareça, diz que o dia da revolução nem foi muito diferente da rotina. "Fez-se o trabalho normal e saímos mais tarde do que era habitual, pelas 14 ou 15h00. Havia um grande alvoroço entre o pessoal administrativo".
Ao fim da manhã, já havia alguns vespertinos - entre os quais o "República" - a recusarem-se a remeter as provas à censura, "mas a maioria dos jornais ainda enviou". À saída, "ainda vi uns soldados a passarem na rua da Misericórdia".
O Estado Novo cairia durante a tarde, ali bem perto, no Largo do Carmo. A essa hora, porém, Mário Bento estava na Graça, nas instalações do Centro de Observação Anexo ao Tribunal Central de Menores de Lisboa, de que era o director.
"O Exame Prévio era apenas uma tarefa, com a respectiva remuneração, e que eu desempenhava em regime de part-time",recorda ao Expresso.
Multidão assalta sede da Censura
A 26 de Abril, já nenhum censor foi trabalhar. "No dia 26, ainda me telefonou um coronel que queria saber o que fazer. Disse-lhe para estar quieto e calado."
Ao fim da manhã, uma pequena multidão invadiu as instalações da Comissão Central de Exame Prévio, à rua das Gáveas, bem como do vizinho "Época", um diário de extrema-direita. Era um desfecho praticamente inevitável, que punha termo a uma das mais odiadas instituições do regime.
O gabinete do director, porém, foi poupado. Seria descoberto, por mero acaso, algumas semanas depois, por um jovem jornalista chamado Alberto Arons de Carvalho.
Dos periódicos que mais trabalho davam aos censores, Mário Bento destaca os diários "República" e "Diário de Lisboa" e, claro, o Expresso. O "República", o velho jornal da Oposição, situado a algumas dezenas de metros, era supreendentemente "um dos jornais mais dialogantes". Refere-se ao falecido director como o "meu saudoso amigo Raul Rêgo".
Expresso levou mais de 3600 cortes
O Expresso era "uma dor de cabeça" para a casa. O "República" fora sempre do contra, mas o Expresso, quando apareceu, em 1973, era dirigido por um deputado, embora da ala liberal.
Os contactos com o Expresso passavam quase todos por Marcelo Rebelo de Sousa. Com menos vinte anos, "nessa altura, ao pé de mim, ele era um garoto. Nunca me tratou por 'doutor' - sempre por 'Sr. Presidente'. Todas as semanas tínhamos grandes conversatas. Levou-me a restaurantes onde nunca tinha entrado: ao Pabe, ao Grémio Literário, a outros."
Na sexta-feira, dia do Expresso fechar a edição, lá estava Marcelo a 'negociar' com Mário Bento. Por causa dos inúmeros textos riscados a azul, dos artigos demorados, dos atrasos verificados. Sobretudo para tentar convencê-lo a levantar alguns cortes.
Nas 55 edições do Expresso vigiadas por Mário Bento, o semanário levou mais de 3.600 cortes, em quase 1.500 artigos.