24 agosto 2010 8:50
Dezenas de estados foram rebatizados nas últimas décadas. É uma mera cosmética ou muda alguma coisa na vida dos povos respetivos?
24 agosto 2010 8:50
Bordúria, Sildávia, Suvadiva, Ubangi-Shari. O leitor já viajou para algum destes lugares? No caso dos dois primeiros só o poderá ter feito na sua imaginação; são países fictícios dos livros de Tintim, inventados por Hergé. Quanto ao terceiro e ao quarto são Estados reais, mas já não se chamam assim. Trata-se, respetivamente, do arquipélago das Maldivas, no Oceano Índico, e da República Centro-Africana: dois de 35 países independentes que mudaram de nome nas últimas décadas. Há-os nos cinco continentes.
Desde o fim da II Guerra Mundial - faz 65 anos a 2 de setembro -, 119 países proclamaram a independência e foram reconhecidos pela comunidade internacional, dez fizeram-no sem reconhecimento, cinco reunificaram-se (Alemanha, Somália, Tanzânia, Vietname e Iémen) e um foi criado de raiz (Israel). "Muitos destes 135 territórios alteraram a sua designação, o que implicou mudanças importantes na cultura dos seus cidadãos", explica ao Expresso o engenheiro e jornalista argentino Edgardo Otero, autor do livro "A Origem dos Nomes dos Países" (editora Gargaola, Buenos Aires, 2009, versão brasileira na Panda Books).
Embora diga que "não existe uma razão única" para um país mudar de nome, Otero lembra que um motor comum é "a ânsia de liberdade e a busca desesperada da independência". A mudança de nome visa, nesses casos, "mitigar o sofrimento". Também "pode significar o início de uma nova era e ser um fator de mobilização dos cidadãos na afirmação duma nova identidade", concorda o criador de marcas Carlos Coelho. Avisa, contudo, que "o novo nome não deve imposto e, ainda menos, ser uma expressão artificial que não corresponda à alma coletiva desse Estado-Nação". E defende que os Estados outrora colonizados que mantiveram os nomes originais "foram muito mais bem sucedidos nos processos de construção identitária".
Contendas dos eslavos do sul
Como exemplo do que não deve ser o batismo de um país, este perito menciona a Jugoslávia (literalmente terra dos eslavos do sul). "É um nome criado no início do século XX, para agregar nações, que vieram, depois , a afirmar-se de forma individual". Isto porque o termo nasceu de "conveniências políticas irrefletidas, não da vontade coletiva", diz Coelho, presidente da Ivity Brand Corp, empresa que se dedica à criação, reformulação e inovação de marcas. O nome anterior da Jugoslávia era Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, o que espelhava melhor a sua diversidade. Em 2003 a palavra Jugoslávia deixou de designar qualquer entidade, quando a federação das últimas duas repúblicas que a constituíam passou a chamar-se Sérvia e Montenegro. A cisão final, via referendo, veio em 2006.
Se dúvidas houver quanto à importância do nome de um país, pense-se na Antiga República Jugoslava da Macedónia. Independente desde 1991, este país - candidato à União Europeia e à NATO - utiliza esta longa designação provisória em vez de Macedónia tout court, como gostariam os seus habitantes e dirigentes. Tudo devido à objeção da Grécia, que tem uma região homónima fronteiriça. Atenas não aceita o nome do país, do povo e da língua oficial, e conseguiu que a Macedónia mudasse de bandeira, pois na inicial figurava o "sol de Vergina", um símbolo helénico. Os governos grego e macedónio e as instituições internacionais debatem o assunto há 19 anos, sem alcançar um acordo. Entre os nomes propostos figuram Nova Macedónia, Alta Macedónia, Eslavomacedónia, Macedónia do Norte, Macedónia Skopje e Macedónia Vardar.
Os capitães Gilbert e Ellice
Quando o processo é libertador, diz Otero, "os habitantes apoiam-no, deixam cair a designação usada por quem ocupou as suas terras sem pedir licença e recuperam denominações antigas e tradicionais". Foi assim que as Honduras Britânicas escolheram o nome do rio Belize quando se tornaram independentes, ou que as ilhas Ellice abandonaram a homenagem ao mercador e político britânico Edward Ellice para adotarem o topónimo Tuvalu, que significa "oito ilhas" no idioma que ali se fala. Já as vizinhas ilhas Gilbert, cujo nome honrava o também britânico capitão Thomas Gilbert, preferiram adaptá-lo à língua local: ficou Kiribati. Nenhuma das antigas colónias portuguesas mudou de nome ao conquistar a soberania.
"A comunidade internacional costuma apoiar alterações que ajudem a construir um futuro melhor", assegura Otero. Caso distinto é o dos "caprichos de governos com ideais tresloucados, que alteram um topónimo apenas para impor a nova denominação". Quando assim é, o povo "fica desorientado, perde identidade e é renitente à mudança". Frequentemente são Estados ditatoriais e, embora instituições como as Nações Unidas aceitem o novo nome, para não se imiscuírem nos assuntos internos, a imprensa estrangeira e os cidadãos comuns retêm o vocabulário preexistente, fortemente implantado na sociedade. "É um erro mudar o nome de uma nação que já se encontrou na sua identidade, que a vive e a pratica ao longo de séculos", diz Coelho.
Se a mudança se cinge, por vezes, à designação oficial - repúblicas que passam de corporativas a democráticas, sendo por vezes populares, socialistas ou islâmicas -, há casos em que se tornam difíceis de pronunciar. "Desde o golpe de Estado de 1988, as autoridades da Birmânia querem que o mundo designe aquele país por Myanmar, que significa Birmânia em birmanês. Mais do que uma mudança de nome, é o Governo que exige, de forma autoritária e pouco cortês, que se use a forma local", indigna-se Otero. A Costa do Marfim também pretende ser Côte d'Ivoire em todos os idiomas, mas só protocolarmente o consegue, até por se tratar de um nome de fácil tradução. "Falta de consideração pelas outras línguas", sentencia Otero. Se o princípio fosse adotado por outros países, teríamos de aprender a dizer Shqipëria (Albânia), Misr (Egito) ou Bharat (Índia).
Mudar para vender melhor
Carlos Coelho frisa que também se pode crismar um lugar para o promover. É, inclusive, algo que se faz há muitos séculos. "Pode resultar de uma estratégia de marketing para atrair moradores para regiões recém-descobertas, como foi o caso da Gronelândia." O nome original é Kalaallit Nunaat ("terra dos humanos", no dialeto nativo kalaallisut). O víquingue Erik, o Vermelho, que descobriu a região, chamou-lhe "terra verde" (Grønland, em dinamarquês), para atrair colonizadores. O certo é que a ilha é, ainda hoje, quase totalmente branca de neve. Noutro âmbito, a cidade de Topeka, capital do Estado americano do Kansas, autointitulou-se Google, Kansas durante um mês, para propagandear o alargamento da Internet de banda larga no município.
Este mecanismo de renomeação é parodiado num episódio da série de animação "Os Simpsons". Estando a célebre família amarela a caminho de um safari, a hospedeira recebe notas de última hora para corrigir o nome do destino: "Por favor preparem-se para aterrar na Tanzânia... perdão, agora chama-se Nova Zanzibar... desculpem, agora chama-se Pepsi Apresenta Nova Zanzibar". O nome Tanzânia resulta, na verdade, da fusão da região de Tanganica com as ilhas de Zanzibar.
Outras transições de nome são mais naturais. "Decorrem ao longo de anos, por processos aculturação ou simplificação", explica Carlos Coelho. O Japão teve vários nomes, mas deve aos portugueses a palavra por que é conhecido no mundo. "Ao chegarem à Malásia, constataram que, ali, o atual Japão era designado por Jipangu, que em chinês significa 'origem do sol'. Tentando transferir o som para o papel, chegaram a Giapan e, posteriormente, Japão, em português, que veio a ser traduzido para Japan, em inglês.
Eucaliptal ou Portugasubsídio?
Poderia o nosso país mudar de nome? Já se chamou, ainda que com outras fronteiras e noutros tempos, Lusitânia e há quem gostasse de o ver reintegrado numa Ibéria. Uma pesquisa na Net traz sugestões como Cinzal (por causa dos fogos florestais), Eucaliptal (pela espécie omnipresente), Pantanal (devido à corrupção), Lisboa (farpa nortenha ao centralismo), Portugasubsídio e Benfigal (não carecem de explicação).
O certo, porém, é que o retângulo que habitamos é Portugal desde o século X. "Já era uma nação antes de 1143", sublinha Carlos Coelho, para quem "D. Afonso Henriques foi o primeiro a criar uma marca-país, no sentido contemporâneo do termo". O perito em marcas aplaude o primeiro rei português pela "consciência de nacionalidade, de unificação da língua, de uma moeda, de um território e, sobretudo, de uma visão estratégica capaz de posicionar e afirmar o país".
Autor do livro "Portugal Genial" (2005, ST&SF e Bertrand), sobre o melhor que a pátria tem (82 "genialidades" lusas, com Afonso Henriques à cabeça), Coelho vê no nome de um país "a verbalização da consciência histórica de uma nação" e "um dos mais sólidos pilares da sua identidade". O nome tem, por isso, de ser "o reflexo genuíno da alma do seu povo".
O perito arrepia-se à menção da hipotética mudança de nome. "Seria um atentado à identidade nacional e à visão do nosso primeiro rei marketeer!", alerta. "Nem no mercado dos brinquedos se brinca às marcas..."

Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Agosto de 2010
