2 setembro 2010 22:49
Cientistas atestam que envelhecer dá alegria. E nem a fraca saúde tira o sorriso aos idosos.
2 setembro 2010 22:49
Não há como evitá-lo. À medida que envelhecemos vamos perdendo capacidades: visão, audição, força muscular. Mas nem tudo é mau e a felicidade pode mesmo aumentar nesta fase terciária da vida. É o que sugerem cada vez mais estudos realizados por investigadores das universidades de Chicago, (USA), Warwick e Cambridge (Reino Unido), entre outras.
"É verdade. Hoje, tenho mais tempo para saborear a felicidade", assegura Eleutério Machado, de 66 anos. Este professor aposentado, outrora docente de Contabilidade da Universidade de Aveiro, dedica metade do dia à agricultura e a outra metade a trabalhos de investigação para congressos e garante que aprecia como nunca um pôr do Sol. "Quando era novo, gostava muito de ver o pôr do Sol, mas tinha preocupações a pressionar-me. Hoje, posso deixar-me ficar".
Felicidade em 'U'
"Não é propriamente a idade, mas o que vem com a idade que faz oscilar os níveis de felicidade", esclarece a psicóloga Maria do Carmo Oliveira. Os estudos indicam que as pessoas são geralmente mais felizes até aos 18-20 anos, mais infelizes entre os 40 e os 50 e retomam a alegria a partir dos 50, numa correlação em forma de 'U'.
"Até perto dos 18 anos, os jovens relacionam-se muito com outros e não têm preocupações com a satisfação de necessidades básicas porque ainda vivem com os pais", explica a psicóloga. No fim da escolaridade surge a angústia do primeiro emprego e a pressão social para ter carro, casa, carreira, o que faz baixar os níveis de felicidade.
"Por volta dos 40-50 anos, muitos começam a questionar o que é que têm feito na vida e esta pergunta pode levar a grandes mudanças, como um novo emprego, até menos remunerado". Ou conformam-se. É a partir daqui que os níveis de felicidade aumentam e mais ainda aos 60-65, "quando há tempo livre para a família e para o convívio". E crescem, mesmo existindo limitações físicas, "que nestas idades são aceites", diz a diretora do Clube do Optimismo.
A presidente da Associação Portuguesa de Gerontopsiquiatria, Lia Fernandes, concorda: "Na velhice surge um suavizar da postura face à vida. A sabedoria leva à racionalização". Deixa, porém, uma ressalva. "Não é fácil ser-se idoso em Portugal", sobretudo devido ao difícil acesso ao sistema de saúde e à falta de uma boa rede de suporte. "Felizmente, muitas famílias ainda cuidam dos seus idosos".
João Gorjão Clara, regente da cadeira de Introdução às Doenças do Envelhecimento da Faculdade de Medicina de Lisboa, lembra que "as doenças incapacitantes obscurecem muito o aspeto cor de rosa dos estudos, que implicam a existência de dinheiro, saúde e afeto" e um agravante nacional: "A população idosa portuguesa sempre foi triste e deprimida".
De acordo com o psicólogo Américo Baptista, representante nacional da Stress and Anxiety Research Society, parte da investigação europeia existente sobre o tema inclui amostras de portugueses. "Quando os aspetos económicos, a saúde e a educação se mantêm ao longo da vida, a correlação em forma de 'U' aparece". "Não é a felicidade apesar da desgraça; mas suporta-se melhor as coisas más". A neurologia explica: a amígdala, estrutura cerebral fortemente envolvida nas emoções negativas, não é tão reativa nos idosos.
Manter-se ativo
O professor de Psicologia da Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve e especialista em questões de envelhecimento, Jacinto Gaudêncio, é prudente no que diz respeito aos estudos do bem-estar subjetivo. Considera-os limitativos. "Seria interessante ver se os islandeses, com a crise por que estão a passar, continuam a ter os resultados que os colocaram em primeiro lugar na geografia da felicidade". Mas dá o braço a torcer: "É verdade que muitos estudos apresentam consistentemente uma avaliação mais positiva do envelhecimento do que há várias décadas". E cita uma investigação alemã sobre idosos, dos 70 aos 100 anos, que mostrou que "apesar dos problemas associados a algum declínio da saúde, muitos idosos faziam uma avaliação positiva da vida".
Para o coordenador da consulta de gerontopsiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Horácio Firmino, os mais velhos têm um "melhor juízo crítico em relação à vida, não estão tão agarrados a preconceitos". Existe declínio, "mas se houver atitudes de correção, com atividade física e mental, a pessoa pode sentir-se bem".
Eleutério, que concluiu um doutoramento há quatro anos, com 62 de idade, corrobora: "Relativizo a importância dos problemas. Já passei por tantos, que sei que tudo se resolve. Acho que o mais importante é não deixar a atividade intelectual, para não embrutecer".
Se muitos portugueses encontram ou sentem mais felicidade na terceira idade, alguns não suportam o isolamento, a depressão, o declínio. A tal ponto que veem na morte uma saída. Entre 2000 e 2008, o número de idosos que pôs termo à vida quase duplicou em Portugal, chegando a 456. Os dados do Instituto Nacional de Estatística indicam que os mais velhos são já 44% do total de suicidas. "Os idosos são uma população muito heterogénea e existem grandes diferenças entre um idoso que vive com o rendimento mínimo - e em Portugal são imensos -, preocupado em arranjar dinheiro para pagar os medicamentos e sobreviver, e um aposentado da nossa classe média-alta, que ajuda economicamente os filhos adultos, viaja, tem hábitos de consumo cultural, faz voluntariado e olha para a vida passada com um sentimento de alguma realização pessoal", salienta Jacinto Gaudêncio, professor de Psicologia da Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve.
1,9
milhões de idosos em Portugal, em 2009, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística
0,3%
foi quanto aumentou o peso relativo da população idosa em 2009, passando de 17,6% para 17,9%
118
idosos para cada 100 jovens em 2009, em Portugal. No ano 2000, eram 102 idosos para cada 100 jovens
320
mil idosos que fazem parte da população ativa nacional
Texto publicado na edição do Expresso de 28 de agosto de 2010
