Exclusivo

Expresso 50 anos

“Até doutoras andam a aprender” a trabalhar o barro negro de Bisalhães

“Até doutoras andam a aprender” a trabalhar o barro negro de Bisalhães
NUNO BOTELHO

Património Cultural Imaterial da Unesco desde 2016, o barro negro de Bisalhães tem nas mãos de seis oleiros este legado secular. A formação é um dos caminhos para salvar esta tradição oleira, que se distingue e se faz negra no exigente processo de cozedura.

Marina Almeida e Nuno Botelho

Querubim Queirós da Rocha está sentado à beira da roda de oleiro a repetir gestos que faz há pelo menos sete décadas. Segura na mão esquerda uma caneca de barro cru, cor de café com leite. Por vezes encosta-a ao corpo, enquanto com um tubo de plástico circular vai passando, uma e outra vez, sobre as terminações da asa. Está largos minutos em cada asa, em cada caneca, neste trabalho de polimento das peças, e não é a conversa que o distrai. Tem 82 anos e viveu toda a vida do barro negro, na aldeia de Bisalhães, na periferia de Vila Real.

“O meu pai, os meus irmãos faziam. Quando eu era miúdo, era aos 60 e tal oleiros, só em Bisalhães”. É um património que se transmite neste conhecimento de poucas conversas e milhares de gestos repetidos pelo menos desde o século XVI. Do apanhar e preparar o barro, à modelação das peças, na roda, à decoração (tarefa que era desempenhada pelas mulheres), ao forno, momento em que se faz o barro ficar negro.

O mais antigo oleiro de Bisalhães segue polindo cada caneca, que os turistas hão de passar e levar às meias dúzias. Já tem acabadas várias bilhas de rosca, uma das peças mais conhecidas deste centro oleiro transmontano. Também deu por terminados pucarinhos vários, bilhas de segredo, travessas e alguidares, daqueles com que dão sabor ao arroz de forno nestas paragens. Está a trabalhar para uma das duas fornadas que faz por ano. No quintal, empilha perto de um milhar de peças num buraco no chão, a que larga o fogo com lenha abundante ainda o dia está a começar. Depois são 24 horas de cozedura, que termina abafando o forno com giestas, carqueja e terra negra de fornadas anteriores, tirando o oxigénio à combustão e fazendo o barro ficar preto. Dali saem os tições cerâmicos de formas variadas que lhe põem a sopa na mesa e o telhado na casa desde que nasceu.

É um momento duro, pela preparação e pelas temperaturas que o forno atinge, na casa dos mil graus. Envolve várias pessoas. A fornada tem de ser acompanhada em permanência, o trabalho de meses está ali e não pode ser comprometido. “Isto tem os seus porquês. É muito lindo, muito lindo, mas é duro, é mais que duro. Há pessoas que desmaiam com o calor”.

Tem peças de €1,5, como os minúsculos pucarinhos, e uma ou outra a €200, as maiores e mais elaboradas, que são o topo do preçário. É neste intervalo de preços que andam as suas peças, que vende ali, à beira da roda de oleiro, manual, com mais de 200 anos, que era dos avós do sogro. “É tudo manual aqui”, diz numa suave impaciência com as perguntas.

O mestre Querubim não tem tempo a perder. No dia seguinte, ia dar formação em Mondrões, a freguesia a que pertence Bisalhães. Tentou escapar-se, mas a câmara lá o convenceu a passar o testemunho fora de casa. Um tempo precioso, que rouba à próxima fornada. “Esta coisa de dar aulas vai-me atrasar. Tenho lá quatro lições dadas. Pediram-me muito [para ensinar], mas não gosto muito. Não gosto de mandar sabe…” Tem alunos novos, e menos novos. “Até as doutoras já andam a aprender”.

Não parece confiante. “Para fazer alguma coisa devia ser em novos, quando saem da escola, nas férias, agora de grandes não dá…” Foi o que fez com o filho. “Nas férias, meti-o a fazer. Ele arranjou um emprego e não quis saber. Agora apeteceu-lhe, já faz qualquer coisa. Vai tomar conta disto a qualquer hora”.

Artigo Exclusivo para assinantes

Assine já por apenas 1,63€ por semana.

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas