1993: Quando Cavaco ‘desviou’ avião da TAP para Salvador da Baía

Com o objetivo de transportar Cavaco Silva para a Cimeira Ibero-Americana, a TAP fez escalas suplementares em Salvador da Baía num voo entre Lisboa e São Paulo e noutro entre Rio de Janeiro e a capital portuguesa. Além desta medida excepcional, a transportadora aérea nacional substituiu oito tripulantes de ambos os voos. As alterações, feitas sem avisar, pelo menos, alguns dos passageiros e sem dar explicações ao pessoal, foram motivadas pela opção do primeiro-ministro em se fazer transportar em carreiras regulares nesta deslocação ao Brasil.
Os esmeros da TAP não se ficaram por aqui: para respeitar a hora protocolar de chegada de Cavaco Silva à Baía, o voo saiu de Lisboa com três horas de atraso, sem que todos os passageiros tivessem sido previamente informados, pelo que alguns tiveram uma longa espera na aerogare de Lisboa. “Avisámos os passageiros que foi possível contactar”, justifica-se a companhia estatal.
As alterações na tripulação são justificadas pela empresa com o argumento de que “se integraram num conjunto muito grande de movimentações” de pessoal. Outra razão invocada foi a de que alguns tripulantes substituídos tinham demasiadas horas de trabalho.
Esta explicação, no entanto, não colheu em meios sindicais; pois há pessoal de cabina, nos dois voos, com um horário mais sobrecarregado do que alguns dos rendidos. Um comissário que ficou em terra, e que deveria trazer Cavaco na viagem de regresso é um ativo delegado do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC). Alguns dos tripulantes, entre os quais o ativista sindical, foram informados, por escrito, de que deixavam de fazer parte da tripulação por “indicação da chefia”, dado tratar-se “de um voo presidencial”. O SNPVAC já reagiu contra as alterações da escala de pessoal, e entre os profissionais da TAP comenta-se que, ao substituir oito dos 20 tripulantes, a empresa deu “uma péssima imagem da qualidade do serviço a bordo”.
Para a TAP, porém, “não está em causa a competência”, nem a atividade sindical teve qualquer influência na decisão tomada. Entre os substituídos está, também, uma hospedeira que teve ação notória numa das recentes greves ocorridas na empresa. A tripulação a que então pertencia, e que fazia a viagem de Boston para Lisboa, recusou-se a retomar o trabalho na Terceira, aeroporto onde o aparelho fizera uma escala técnica e de onde deveria levantar já durante o período de paralisação.
A TAP não deu qualquer indicação relativa aos custos que a empresa vai suportar pelo desvio da rota, bem como pela aterragem e descolagem na Baía. O gabinete de relações públicas diz que se trata de “uma operação comercial normal” e que a empresa tem acedido a pretensões de alguns grupos de passageiros que propõem alterações de rota, sugestões que a TAP sempre estuda.
No avião que levou o primeiro-ministro viajavam outros passageiros cujo destino final era S. Salvador da Baía. À semelhança de Cavaco Silva e da sua comitiva, também eles pretendiam desembarcar naquela cidade. Queriam aproveitar a oportunidade concedida pela escala e assim evitar uma inútil viagem até São Paulo, onde teriam de apanhar novo avião para regressarem à Baía. Mas foi isso mesmo que foram obrigados a fazer, pois a TAP não os pôde deixar desembarcar, uma vez que “não tem direitos de tráfego para aquele aeroporto”. O desembarque só estava autorizado para a comitiva oficial.
Entretanto, contactado pelo Expresso, um membro do Gabinete de Cavaco Silva disse que o primeiro-ministro tinha o voo marcado para as 03h35 e que chegou ao aeroporto às 03h00, como esteve sempre previsto, desconhecendo qualquer alteração de horário. Quanto à substituição dos oito tripulantes, a mesma fonte disse também ignorar que ela tivesse ocorrido.
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