Burocracia, atrasos na ferrovia e comunicações travam avanço da logística na Guarda
D.R.
A Guarda quer ser a extensão dos portos de Leixões e Aveiro para a ligação ao porto seco de Salamanca. Servida pelo IP-2, que faz a ligação para Bragança, pela A 23 na rota para Lisboa e pela A 25, que faz caminho para Aveiro a cidade é ainda cruzada pelas linhas ferroviárias da Beira Baixa e Beira Alta, esta com ligação a Espanha e ao centro da Europa
A Guarda quer ter o primeiro porto seco do país, uma plataforma que tira partido das autoestradas e ferrovias que cruzam a cidade, um hub logístico que está a marcar passo: faltam ligações informáticas com a Autoridade Tributária para facilitar a circulação de mercadorias, comunicações que acelerem os negócios das empresas da região a que se junta o atraso nas obras da Linha Ferroviária da Beira Alta.
O porto seco funciona como terminal de transbordo, para a receção e entrega de mercadorias que necessitem de processamento alfandegário. Na prática ligam os portos marítimos às plataformas logísticas, através da ferrovia, para retirar os camiões da estrada e colocá-los nos comboios.
O futuro Porto Seco da Guarda será gerido pela Administração dos Portos de Douro, Leixões e Viana do Castelo que detém a concessão do terminal ferroviário da cidade, o que permitirá duplicar a capacidade de carga de contentores.
O terminal está na confluência das duas linhas ferroviárias, Baixa e Alta e não detém estatuto de entreposto aduaneiro. O Porto de Leixões, de quem o Expresso não obteve esclarecimentos, não aderiu à Janela Única Portuária, a plataforma que faz a gestão de informação entre os contentores transportados por mar e que depois seguem via terrestre ou ferroviária.
“É um sistema informático que permite que o contentor faça a viagem com um único documento, o chamado T1, para conhecer em permanência a sua localização”, explica ao Expresso um responsável aduaneiro, que não quis ser identificado. Sem este sistema “os camiões têm que preencher o designado CMR, que não permite conhecer a localização da mercadoria”.
Mercadoria que depois de chegar dos portos fica a aguardar expedição na Plataforma Logística da Guarda, onde estão sedeadas várias empresas, algumas das quais funcionam como entreposto aduaneiro, estatuto que evita custos adicionais e faz o desalfandegamento. Acresce ainda a possibilidade de as mercadorias, ultrapassado o tempo de depósito, passarem à situação de entreposto, sem necessidade de movimentar fisicamente as cargas.
D.R.
João Cardoso, diretor da Coficab na Guarda e responsável mundial de tecnologia do grupo tunisino especializado em cablagem, reconhece que na “industria a localização do nosso país é uma desvantagem competitiva importante pois estamos longe do centro industrial da Europa e os custos logísticos atuais retiram competitividade nesse mercado às empresas portuguesas”. Existem, no entanto, “formas expeditas de aproximar o nosso país do centro da Europa e estando a Guarda na interceção das ligações Norte-Sul-Europa , penso ser esse o local mais adequado para se avançar com uma plataforma logística nacional , que seria concretizada através do também tantas vezes prometido Porto Seco”, esclarece o responsável.
A Plataforma conta 196 lotes de várias empresas e um parque para servir o transporte internacional rodoviário de mercadorias.
“Empresas que empregam milhares de pessoas, com capacidade de desenvolverem inovação e tecnologia”, explica Carvalho Rodrigues, antigo presidente da Assembleia Municipal da Guarda. Carvalho Rodrigues, o físico que criou o primeiro satélite português e que foi diretor de ciência da NATO, alerta, contudo para as falhas “na cobertura da rede móvel, com zonas onde não há qualquer sinal”. E não dispor de redes de comunicação “é uma entropia para as pessoas e para as empresas”.
A ligação entre a Plataforma Logística e o Terminal Ferroviário é outra das preocupações.
A Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo tornou público um investimento de 11 milhões de euros no terminal ferroviário da Guarda, que deverá funcionar com o estatuto aduaneiro e transitário de porto seco. A proximidade com Espanha permitirá o processamento de mercadorias, por via ferroviária, entre todos os portos marítimos nacionais e a Europa.
Sérgio Costa, presidente da Câmara da Guarda, tem alertado para o atraso nas obras da Linha da Beira Alta que “condicionam o início da operação do Porto Seco”
As obras deveriam ter ficado concluídas em 2022 e só devem ficar terminadas em novembro.
O investimento de 300 milhões de euros a decorrer em toda a extensão da Linha da Beira Alta permitirá a circulação de comboios de mercadorias até 750 metros, duplicando a capacidade de transporte de mercadorias.
A que se junta o investimento feito na Linha da Beira Baixa, com a reabertura do troço Guarda Covilhã, por onde circulam seis comboios intercidades e seis regionais, nos dois sentidos e viajam, anualmente perto de 30 mil passageiros, dados divulgados pela Comboios de Portugal que estuda a criação de novos comboios, entre Castelo Branco e o Porto, com paragem em Castelo Branco e na Guarda.
Porém esta linha apresenta “limitações ao transporte de contentores” e o ideal seria “a construção de uma nova linha, em bitola europeia, entre Aveiro e Celorico”, sustenta João Logrado, diretor-geral da Olano, uma empresa de transporte e armazenagem logística. Solução que “facilitaria a redundância ferroviária”.
Também António Bernardo Marques, administrador de uma transportadora com mil camiões sediada na Plataforma Logística da Guarda, aponta as vantagens do transporte “rodoferroviário”. Mas, alerta, “é preciso investimento, privado e público que permita à Guarda tirar partido da sua localização privilegiada”. Ou seja, fazer da Guarda “um hub para o comércio eletrónico e para a distribuição logística”. Uma estratégia que permita “tornar a Guarda um verdadeiro centro logístico”, reflete o empresário.
Um projeto que “contribuiria bastante para captar investimento e trazer vida nova ao tecido industrial do país”, adianta João Cardoso. Mas que reclama a “introdução de operadores ferroviários privados”, com a “garantia de que as regras não serão alteradas a meio”, reforça.
E “eliminar a burocracia pesadíssima que temos e que além de ser um promotor de desistência é também promotor de protecionismos e falta de transparência”, conclui o responsável da Coficab.
O terminal ferroviário da Guarda ocupa atualmente uma área de 22 mil metros quadrados, dispõe de quatro linhas com 150 metros de extensão e uma capacidade para parquear 400 contentores.
Está a 30 minutos da fronteira de Vilar Formoso e tem ligação às linhas da Beira Alta e da Beira Baixa e, através destas, os principais portos nacionais.
Fica a faltar a construção de uma nova ligação ferroviária entre o litoral e o interior Centro, no eixo Aveiro – Viseu – Vilar Formoso, prevista no Plano Ferroviário Nacional, mas sem calendarização e cuja construção foi reclamada pela Assembleia Municipal da Guarda.
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