Uma tuna de seniores para espantar a idade ao som do Limoeiro, do Entrudo e das Saudades da Beira
José Fernandes
A Universidade Senior de Castelo Branco tem 700 alunos, espalhados pela cidade e pelas freguesias. São muitas as atividades para promover o envelhecimento ativo. Na tuna, quase meia centena de alunos ensaia o cancioneiro tradicional, e não dispensa uma música de infância para a despedida.
Marina Almeida
Todas as quintas-feiras trepam até ao último andar do Cineteatro Avenida, no centro da cidade. A chegada à sala de ensaio implica uma viagem de elevador e dois lanços de escada a pé. Na sala vão deixando malas e casacos em cima das cadeiras, e vão-se alinhando numa meia-lua. Dão à língua, falam da vida, afinam a garganta e os instrumentos.
Já estão assim, instalados, ávidos por aquele momento, quando o professor Fábio começa a chamada: “António Carvalho. António Pereira, Arminda Teixeira, Aurora Carmona…”. Estou aqui. Aqui. Aqui. Não veio, está doente – o mais velho da tuna, com 86 anos.
A chamada segue até Ventura Mendes. Há 47 presenças neste ensaio da tuna sénior da Universidade Sénior Albicastrense (USALBI). Cabelos brancos, rugas, olhares vivos, lábios e unhas pintadas. Logo avançam para o hino da tuna.
“Esta tuna representa a nossa universidade
Somos de Castelo Branco, a nossa linda cidade”
O grupo ondula ao ritmo da música.
Fábio Ramalho ensaia a tuna da USALBI
José Fernandes
O hino foi escrito por Antónia Dias de Carvalho no início da tuna, há 17 anos. Antónia tem 84, é baixinha, discreta e sabe impor-se quando é preciso. Escreve poesia, tem um livro publicado com as memórias de uma infância pobre, a ida para Lisboa para casa de uma tia, trabalhando de dia e estudando de noite, o Curso Geral dos Liceus e o Curso Complementar, antes de se tornar professora de corte e costura. Seguir-se-ia a entrada no Colégio Militar onde foi costureira 20 anos - e há-de ter sido das boas porque só louvores recebeu cinco.
Antónia faz questão de levar para o ensaio o porta-estandarte da USALBI, com os símbolos da tuna, que costurou em tecidos brilhantes. Quando regressou a Castelo Branco, depois de se reformar, a universidade senior tornou-se uma espécie de segunda casa. Ali tem amigos, preocupações, e a certeza de uma hora de alegria pura todas as quintas-feiras.
Não é a única.
Os lugares estão marcados há anos, tantos quanto levam de tuna. Uns chegaram no início, outros foram entrando. Há sempre lugar para mais um. Cantam e tocam sob a batuta do professor Fábio, que podia ser neto deles todos. Tem 29 anos e tem aqueles avós todos há cinco anos. Dá aulas de música no pré-escolar e à tuna sénior – “é dos zero aos seis e dos 65 para cima”. Bem-disposto, vai encaminhando o ensaio. “É uma alegria e um desafio muito grande”, diz.
A tuna é um dos grupos da USALBI, que tem 700 alunos e polos na cidade e em todas as freguesias de Castelo Branco. Para além da música (também há grupo de cavaquinhos, adufes, fado), há aulas de variadíssimas disciplinas (42), de cursos de línguas a jornalismo, passando por chi kung, pilates ou zumba. O projeto da autarquia, é gerido pela Associação Amato Lusitano, e tem como objetivo promover o envelhecimento ativo com qualidade de vida.
Antónia Dias de Carvalho (ao centro) é a autora do hino da tuna sénior
José Fernandes
Ensaios são às quintas-feiras no cineteatro Avenida
José Fernandes
“Agora só as vozes. lailarailailai, quem seria a caiadeiraaaaa”.
A viagem pelo cancioneiro tradicional começa pelo Entrudo, de José Afonso. A tuna avança em conjunto. Ao sinal de Fábio.
“Outra vez, não se precipitem a respirar”.
Continuam com Limoeiro. Depois Moleirinha, Ciranda. Quem dá a entrada para todos os temas é Maria de Lurdes, com quatro pancadas na pandeireta. Há 15 anos que tem nas mãos essa responsabilidade. 1,2,3,4 pancadas, a que responde o bombo do Sr. Ventura, do outro lado da meia-lua humana. Maria de Lurdes Oliveira está há 15 anos na tuna. Depois de uma vida de trabalho na Função Pública, quis aprender coisas novas. “Eu quero é mexer-me”.
O Sr. Ventura do bombo está ali há quatro anos (e também joga hóquei em campo, trata logo de dizer). “O senhor que cá estava não tinha tempo, faltava muito e este é um instrumento que parecendo que não, faz falta”. Veio contagiado pela mulher, Celeste, que está sempre vigilante de olhos semicerrados do outro lado do grupo.
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Ainda ensaiam Ponte do Guadiana, ora vozes ora instrumentos, depois o tema todo. A hora de ensaio estava esgotada e o professor Fábio já se despedia da “maltinha”, e eis que se ouvem as reclamações: E as Saudades da Beira? “Se não tocar Saudades da Beira eles batem-me”. E seguem, embalados.
Talvez as vozes estivessem mais aquecidas, o tema mais ensaiado, mas foi aqui que a tuna se elevou mais alto que o telhado do anfiteatro. “É de sermos albicastrenses, querida. Cantamos isto desde pequenos”, diz Celeste.
“Agora sim, agora está tudo". A meia-lua desfaz-se, continua a pôr-se a conversa em dia, as violas, os ferrinhos e a pandeireta no saco. Para a semana há mais.
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