Se a temperatura do planeta continuar a subir ao ritmo atual, uma criança de seis anos hoje assistirá em média a três vezes mais desastres climáticos do que os avós.
A conclusão é de um estudo divulgado este domingo na publicação científica Science, o primeiro a analisar a "desigualdade intergeracional" face às alterações climáticas.
Segundo os investigadores, as crianças de agora deverão enfrentar, ao longo da vida, o dobro dos incêndios florestais, 1,7 vezes mais ciclones tropicais, 3,4 mais cheias, 2,5 mais colheitas destruídas e 2,3 mais secas do que alguém nascido na década de 1960. Por outro lado, estão cinco vezes mais expostos a desastres do que se tivessem vivido há 150 anos.
A crise climática não afetará igualmente todas as geografias. De acordo com o estudo, as crianças na África Subsariana vão passar por 50 a 54 vezes mais ondas de calor do que no período pré-industrial.
O impacto das alterações climáticas não está limitado às crianças. Qualquer pessoa com menos de 40 anos vai enfrentar um nível sem precedentes de eventos climáticos na sua vida. A probabilidade de tal acontecer era de um para dez mil no mundo pré-industrial.
"A conversa costumava ser 'como é que vamos limitar o aquecimento global por causa dos nossos netos'. Este estudo torna claro que as alterações climáticas já chegaram. Estão em todo o lado", defende Wim Thiery, um dos autores, citado pelo jornal "The Washington Post".
Só ação imediata pode mitigar efeitos da crise climática
"Os jovens estão a ser afetados pela crise climática, mas não estão em posição de tomar decisões. Enquanto as pessoas que podem fazer a diferença agora não vão sofrer as consequências", afirma o cientista. Mais de metade dos gases com efeito de estufa (GEE) presentes na atmosfera atualmente foram emitidos depois de 1990, quando as crianças ainda não tinham nascido.
O estudo defende que a ação imediata para mitigar o aquecimento global pode ter efeitos na proteção destas crianças. Se conseguirmos limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC acima dos valores pré-industriais (valor previsto no Acordo de Paris), o risco de exposição dos recém-nascidos ao calor extremo cai para metade. A mesma meta iria permitir reduzir a probabilidade de viverem com colheitas perdidas (-11%), secas (-27%) e cheias de rios (menos cerca de um terço).
No início deste ano, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas - o braço científico da ONU que estuda a crise climática - afirmou que as emissões de gases com efeito de estufa devem cair para metade até 2030 para manter o aumento médio da temperatura global abaixo dos 1,5ºC. No entanto, a organização reportou no dia 17 de setembro que, "se não for tomada uma ação imediata", as emissões iriam aumentar em 16% na próxima década, encaminhando-nos para um aumento de 2,7ºC até ao final do século.
Joeri Rogelj, diretor do Grantham Institute for Climate Change and the Environment at Imperial College London e outro dos autores deste estudo, afirma que os números projetados nesta investigação estão quase de certeza subestimados. O cientista defende a necessidade da adaptação das comunidades, nomeadamente a construção de infraestruturas como barreira de inundação e abrigos para o calor extremo, para que as catástrofes naturais não afetem tão gravemente as populações futuras como afetam atualmente.
No início do mês, um inquérito divulgado na revista "The Lancet" concluiu que mais de metade dos jovens dizem que “o futuro é assustador” e que “a humanidade está condenada”, quantificando a preocupação dos mais novos com as alterações climáticas.
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