Sociedade

“Não estamos no quadro de honra” quando falamos de conservação da Natureza, diz Filipe Duarte Santos

A área do Fojo, no perímetro do Parque Natural da Penada-Gerês, integra um ecossistema de espécies de flora e fauna protegidas, razão que leva os locais a repudiar qualquer atividade que coloque em causa a identidade paisagística
A área do Fojo, no perímetro do Parque Natural da Penada-Gerês, integra um ecossistema de espécies de flora e fauna protegidas, razão que leva os locais a repudiar qualquer atividade que coloque em causa a identidade paisagística

Apesar de ser "um hotspot de biodiversidade", Portugal "não tem sabido gerir essa riqueza, o que se reflete na perda de espécies e de habitats”. Adotar uma gestão ativa das áreas protegidas, adquirir terrenos de elevado valor a conservar e olhar para este património natural como "um museu vivo", são alguns dos caminhos defendidos no relatório agora apresentado esta tarde Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

“Não estamos no quadro de honra” quando falamos de conservação da Natureza, diz Filipe Duarte Santos

Carla Tomás

Jornalista

“Portugal não tem sido um bom aluno no domínio da conservação da natureza. E não estamos no quadro de honra”, afirmou esta sexta-feira Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS). Fê-lo durante a apresentação pública do relatório “Reflexão sobre a Gestão Sustentável de Áreas Protegidas no quadro do Pacto Ecológico Europeu”, lembrando que "Portugal é um hotspot de biodiversidade, mas não tem sabido gerir essa riqueza, o que se reflete na perda de espécies e de habitats”.

Prova disso “é o facto de dois terços das espécies de que se conhece o estatuto em Portugal se encontrarem em estado inadequado ou mau”, sublinha o conselheiro João Joanaz de Melo, que coordenou o grupo de trabalho que elaborou este relatório e para o qual contou com dados oficiais e a consulta a mais de meia centena de entidades ao longo do último ano e meio. “Se queremos melhorar estes indicadores, temos de fazer muito mais, temos de fazer uma gestão ativa, que não existe, e de multiplicar por cinco as equipas dedicadas no terreno”, acrescenta o engenheiro do ambiente e dirigente do GEOTA.

O relatório lembra que a Estratégia Europeia de Biodiversidade 2030 tem como prioridades proteger legalmente pelo menos 30% da superfície terrestre e marinha da União Europeia, sendo que um terço das áreas protegidas (10%) devem ter uma proteção mais estrita dado o seu elevado valor ou potencial para a biodiversidade; assim como gerir de forma efetiva todas as AP; aprovar planos de conservação e restauro dos ecossistemas degradados, até finais de 2021, com critérios e metas claros; e assegurar que pelo menos 30% das espécies e dos habitats passem a ter um estado favorável. Em Portugal continental, as áreas protegidas (como parques, reservas ou monumentos naturais) ocupam 7,5% do território, a que acrescem 23% de áreas classificadas no âmbito da Rede Natura 2000, como sítios importantes para espécies e habitats.

Porém, “se a meta de 30% do território delimitado a preservar não se configura difícil de alcançar”, diz Joanaz de Melo, “já o cumprimento da meta de 10% dedicado a uma conservação estrita implicará um esforço muito significativo”. Isto porque nas áreas protegidas terrestres de Portugal continental se fica por 0,7% e no mar não vai além de 0,001% (do Mar Territorial e Zona Económica Exclusiva).

Comprar terras de elevado valor para a conservação

Entre as soluções equacionadas pelo CNADS para melhor gerir habitats mais sensíveis e com maiores valores a preservar em terra, está a a aquisição de terras privadas, já que mais de 90% do território em áreas protegidas é privado. “Áreas que precisem de ser requalificadas e em que não há capacidade dos proprietários fazerem essa requalificação, devem ser adquiridas pelo Estado, o que não significa criar cercas em torno delas”, explica Joanaz de Melo.

Procurando sublinhar o valor económico difuso do nosso património natural, o presidente do CNADS defende que “precisamos de ter um modelo de negócio que permita viabilizar a conservação da natureza”. Filipe Duarte Santos lembra que o que recomendam neste relatório em termos de modelo de gestão ativa, que não existe atualmente na maioria das áreas protegidas nacionais, “é o que é recomendado pela União Internacional para a Conservação da Natureza, que prevê modelos colaborativos ou partilhados de gestão nos quais podem participar outras entidades que não só o Estado”. E defende que esses modelos sejam avaliados e monitorizados continuamente para “ver se cumprimos as metas”.

A ideia de arranjar formas para financiar a conservação da natureza passa também por “apostar na remuneração de serviços de ecossistemas”, sublinha Joanaz de Melo, frisando que “destruir a natureza tem de ser caro e proteger a natureza tem de ser pago”. O Plano de Recuperação e Resiliência equaciona verbas para o pagamento destes serviços que permitem a salvaguarda de biodiversidade, o sequestro de carbono, a regulação do ciclo hidrológico, ou a prevenção de incêndios, assim como paisagens magníficas para recreio e lazer, além de salvaguarda do património cultural e natural.

Outra das soluções de financiamento (além do reforço do orçamento do Estado para as áreas protegidas) pode passar pela cobrança de taxas ou portagens aos visitantes, o que deverá ser visto caso a caso. “Se pagamos para assistir a um concerto ou visitar um museu, porque não havemos de ter disponibilidade para pagar para visitar o museu vivo que são as nossas áreas protegidas e ajudar a conserva-las”.

O relatório de reflexão de 59 páginas — que inclui recomendações sobre o reforço do papel de coordenação, regulação, planeamento e monitorização do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF); a necessidade de dotar as 48 áreas protegidas de um orçamento e uma equipa técnica próprios, com um diretor executivo, e meios para cumprir uma gestão eficiente, entre outras medidas — já foi enviado ao Governo e à Assembleia da República.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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