Exclusivo

Sociedade

10 meses depois do incêndio de Santo Tirso, ainda não se sabe quantos canis ilegais e animais errantes há em Portugal

10 meses depois do incêndio de Santo Tirso, ainda não se sabe quantos canis ilegais e animais errantes há em Portugal
Artyom Geodakyan/ Getty Images

Depois do incêndio que vitimou 73 animais em Santo Tirso, o governo prometeu avançar com a contagem dos canis ilegais e dos animais errantes em Portugal até final de setembro de 2020. O grupo de trabalho criado antes do acidente para o Bem-Estar Animal entregou as conclusões em dezembro e o relatório final está “em avaliação” pela tutela, que ainda é o Ministério da Agricultura. A contagem, na prática, ainda não avançou

10 meses depois do incêndio de Santo Tirso, ainda não se sabe quantos canis ilegais e animais errantes há em Portugal

Joana Ascensão

Jornalista

Depois do incêndio que vitimou 69 cães e 4 gatos em Santo Tirso, a 17 de julho de 2020, o governo foi perentório: queria saber quantos animais errantes (vadios) e canis ilegais há nos 308 municípios portugueses. Pretendia saber quantos são e quais as associações, legais e ilegais, que os cuidam e em que instalações o fazem. O objetivo era ter essa contagem até final de setembro desse ano.

O grupo de trabalho criado pelo antigo secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Nuno Tiago dos Santos Russo - e que, por coincidência, teve a sua primeira reunião dois dias antes do incidente -, entregou as conclusões em dezembro. Cinco meses depois, o relatório está “em avaliação” pela tutela, disse ao Expresso o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

Não foi, por isso, tornado público.

Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, que integrou o grupo junto com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Procuradoria-Geral da República e uma Organização Não Governamental, garante que a principal conclusão do relatório tem de ser a contagem. “Só a partir daí se podem tomar medidas”, sustenta.

Aliás, no despacho que enumera os objetivos para o grupo de trabalho pode ler-se o seguinte: “apresentar um relatório final, até 30 de setembro de 2020, que deverá ter em consideração”, entre outras medidas, “a definição de uma estratégia nacional para os animais errantes, determinando o universo de animais abrangido, as prioridades e a calendarização dos investimentos a realizar”.

“Este trabalho foi entregue no dia 15 de dezembro e até hoje, que eu tenha conhecimento, não foi dado qualquer seguimento ao grupo de trabalho. As conclusões não foram tornadas públicas nem houve um efeito material, só foi estudado”, assume Jorge Cid.

Bem-estar animal ainda não passou para o Ministério do Ambiente

Depois de, a 25 de março, ter sido aprovada a transferência do bem-estar dos animais de companhia - que inclui os animais errantes - para o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, mais concretamente para o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), a concretização prática da medida está agora dependente da promulgação dos diplomas pelo Presidente da República. Até aqui, esta era uma competência da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e do Ministério da Agricultura.

Numa carta enviada a Marcelo Rebelo de Sousa em abril, mais de 180 organizações nacionais e internacionais apelaram ao Presidente da República para promulgar os diplomas que efetivam a mudança.

Um deles determina a entrada em funções da provedora do Animal, a médica veterinária, professora e ex-bastonária da Ordem dos Veterinários Laurentina Pedroso que, confirma ao Expresso, ainda não assumiu funções.

Incendiário com 6 anos de prisão. Mas “há ene Santos Tirsos”

Aos dois abrigos ilegais - “Cantinho das Quatro Patas” e “Abrigo de Paredes” - em que viviam centenas de animais chegou o fogo que havia deflagrado numa sexta-feira, 17 de julho, em Sobrado, concelho de Valongo.

Sabendo que os animais estariam a ser atingidos pelas chamas, dezenas de populares, voluntários e associações de defesa dos animais juntaram-se para tentar salvar o maior número possível de cães e gatos (pelo menos 190 foram retirados), mas confrontaram-se com as condições em que alguns se encontravam: para além de queimaduras, tinham carraças, pulgas e doenças como sarna.

O acidente levou à suspensão do veterinário municipal, à abertura de um inquérito pelo Ministério da Administração Interna e à demissão do Diretor-geral da Alimentação e Veterinária, Fernando Bernardo, no mesmo dia em que António Costa criticou o trabalho da entidade.

Já a 6 de maio, o responsável pelo incêndio que provocou a morte dos animais, e também acusado de atear 62 incêndios no distrito do Porto, foi condenado a seis anos de prisão.

Mas, sobretudo, o acidente acordou o país para o submundo dos canis ilegais, para a falta de fiscalização sobre eles e inflamou a discussão pública sobre que medidas se seguirão para contornar o problema.

Para o atual bastonário da Ordem dos Veterinários, “o governo tem de dizer “faça-se” e criar mecanismos para se criarem protocolos com municípios”, rumo à criação de uma “estrutura para se fazer uma elencagem”. Não será fácil chegar a todos os abrigos ilegais, “porque há muitos”, mas o trabalho permitia tirar uma fotografia do problema. Jorge Cid compara o caso com a situação dos lares e avisa: os ilegais “nem sempre são piores que os legais”, mas, acusa, “há ene Santos Tirsos e ninguém quer ver isso”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jascensao@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate