Opinião

Na era das máquinas criativas, a liderança tem de ser criativa também

Na era das máquinas criativas, a liderança tem de ser criativa também

Gonçalo Perdigão

Especialista em inteligência artificial generativa e coautor do livro "Building Creative Machine"

O verdadeiro risco não é a IA Generativa substituir empregos, mas sim Portugal perder a oportunidade de se afirmar como um exemplo tecnológico e ficar relegado para as margens da transformação global

Vivemos num ponto de inflexão tecnológica raro. Numa era onde as máquinas já não se limitam a calcular ou a replicar modelos aprendidos, mas antes criam. Produzem texto, código, design, música e até hipóteses científicas. E fazem-no a um ritmo vertiginoso.

A Inteligência Artificial Generativa (IA Generativa) veio democratizar a criatividade com a mesma cadência – ou até mais rápido – que a internet democratizou o acesso à informação. E se, por um lado, este avanço representa um potencial com impacto tremendo na inovação, na produtividade e na forma como concebemos e desenvolvemos ideias, por outro, coloca empresas, instituições e cidadãos perante desafios inéditos, exigindo-lhes uma capacidade de adaptação mais célere a um cenário em constante transformação.

Para Portugal, um país historicamente deficitário em termos de produtividade e que, segundo dados do Eurostat, continua abaixo da média europeia, esta nova onda tecnológica não pode, nem deve, ser vista como um luxo, mas antes como uma urgência estratégica, com o potencial de se afirmar como elemento decisivo na superação de um dos mais persistentes entraves estruturais da economia nacional.

Ao olharmos para o futuro das dinâmicas laborais, a IA Generativa afirma-se como a força motriz de uma transformação já em curso no tecido empresarial, com capacidade para redefinir modelos de trabalho e acelerar significativamente a inovação. De acordo com um estudo recente da McKinsey, em parceria com a NOVA SBE, mais de 320 mil postos de trabalho em Portugal poderão ser impactados nos próximos anos por esta nova era tecnológica.

Longe de constituir um motivo de alarme, este cenário deve ser interpretado como um apelo à ousadia e à visão estratégica de líderes e colaboradores, perante uma tecnologia com provas dadas do seu poder para reconfigurar a economia nacional. O mesmo estudo sugere ainda que a adoção da IA Generativa poderá impulsionar a produtividade portuguesa em até 3,1% ao ano, aproximando-a da média da União Europeia.

No entanto, a sua implementação não se resume a números. Para explorar plenamente o potencial desta ferramenta, são essenciais três pilares: visão, experimentação e confiança social.

Em primeiro lugar, é necessária visão. Gestores, líderes e decisores de todos os setores precisam de encarar a IA Generativa como um pilar determinante para aumentar a resiliência e a competitividade de um negócio. E porque acreditar no seu potencial não chega, é necessário que se invista no financiamento de projetos, na requalificação de colaboradores, na reestruturação de processos e na monitorização rigorosa do seu valor.

Um outro elemento verdadeiramente essencial é a experimentação. Permitirmo-nos tolerar falhas rápidas em prol da aprendizagem. Em vez de planos estáticos, precisamos de ciclos ágeis que testem, validem e ajustem a trajetória com base nos resultados obtidos. A IA Generativa valoriza a interação: a cada prompt e a cada feedback, tanto o modelo como o negócio ganham em precisão e impacto.

Por fim, é imperativo cultivar confiança social. As tecnologias que potenciam a criatividade humana trazem um conjunto de dilemas éticos para debate, tais como questões de direitos de autor, viés algorítmico e o impacto destas ferramentas no mercado laboral. A resposta não pode passar por uma moratória que paralise a inovação, mas antes por uma estratégia sólida e integrada, que combine transparência de dados, auditorias independentes e políticas de requalificação.

Vivemos num país de grandes qualidades. Temos a dimensão adequada, talento tecnológico comprovado e um ecossistema académico robusto. O que nos falta para aproveitar plenamente esta nova ferramenta é apenas escala e ambição coordenada.

O verdadeiro risco não é a IA Generativa substituir empregos, mas sim Portugal perder a oportunidade de se afirmar como um exemplo tecnológico e ficar relegado para as margens da transformação global. Caberá aos gestores e líderes decidir se seremos pioneiros ou meros seguidores. Nesta era das máquinas criativas, estaremos nós, humanos, à altura do desafio?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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