Opinião

Podridão

Podridão

Mariana Leitão

Líder parlamentar da IL

Ao olharmos para a classe política e para um conjunto de práticas reiteradas, é inevitável reconhecermos a podridão de um sistema que é explorado por alguns à custa de todos os outros

Temos sido confrontados no último ano por uma panóplia de casos que envergonha até o menos impressionável dos portugueses, que descredibiliza as instituições e agride o Estado de Direito e que abala a confiança dos cidadãos na democracia.

Ao olharmos para a nossa classe política e para um conjunto de práticas reiteradas, é inevitável reconhecermos a podridão de um sistema que é explorado por alguns à custa de todos os outros. Os portugueses são diretamente prejudicados por este punhado de indivíduos que há décadas ocupam cadeiras de poder, que há décadas têm comportamentos muito questionáveis do ponto de vista ético e que, não raras vezes, cometem ilegalidades que lesam o erário público e a prossecução de objetivos de prosperidade e bem-estar.

Por quanto mais tempo vamos confiar naqueles que já demonstraram não ser merecedores dessa confiança? Quanto mais tempo vamos aceitar a ladainha de que as maçãs podres são meras exceções, em vez de aceitarmos e combatermos com vigor estas condutas que tornaram padrão nos aparelhos partidários e que são transferidas e postas em prática em simultâneo no aparelho de Estado?

O rol de atos perversos salta à vista de qualquer um. O nosso sistema está pejado de pessoas que nunca tiveram qualquer outra profissão senão serem políticos. Vidas inteiras - iniciadas quase sempre em juventudes partidárias - nos corredores de concelhias, distritais, sedes nacionais ou em organismos públicos, sempre à espreita de uma oportunidade, de um favor, de um lugarzinho.

Se for preciso vender a alma ao diabo, muitos deles fazem-no. Muitos deles o fizeram em nome da tal oportunidadezinha. Se for preciso corromper, ativa ou passivamente, até hesitam num primeiro momento, mas, infelizmente, acabam por sucumbir à ganância e ao desejo de poder.

Sucumbem porque, em grande parte, vinga o sentimento de impunidade. Muitos dos que eventualmente hesitaram naquele primeiro instante olham ao redor e encontram múltiplos exemplos dos que, embaraçados em teias de pequenos favores, clientelismos e corrupção, nunca foram punidos, nunca sofreram qualquer consequência.

A ausência de sanções normalizou a transgressão, banalizou o delito e, pior ainda, alterou a mentalidade dos que não querem enveredar por caminhos obscuros, mas percebem que recusar as regras do jogo significa, na prática, estar fora dele.

Por força disso, a ingenuidade foi trocada pelo desejo, a vontade de superação foi sacrificada em detrimento do facilitismo e o medo foi substituído pela sede de poder.

Esta podridão tem a anuência de todos nós. Nós os que, durante décadas, assistimos impávidos a uma série de situações danosas para os contribuintes e para o prestígio das instituições; nós os que não exigimos mais dos nossos representantes, nem mínimos sequer, e que acabámos por nos conformar à mediocridade do PS (e também do PSD). Nós os que, sem um esboço de resistência, aceitámos a ideia de que não merecemos mais do que o sistema nos tem oferecido e interiorizámos que não existe alternativa ao atual estado das coisas. Existe, é real e nunca foi tão necessária. Chega de cumplicidade, por ação ou omissão. Portugal precisa de mais.

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