Reverter o efeito dominó da nossa destruição da natureza

Diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Inger Andersen
Diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Desde o início da revolução industrial, a relação da humanidade com a natureza tem sido celebrada como um triunfo. Através da inovação, iluminámos países, construímos indústrias e viajámos além-fronteiras a uma velocidade sem precedentes. Com o desenvolvimento da agricultura, um número recorde de pessoas tem acesso a alimentos e, em algumas partes do mundo, a esperança média de vida mais do que duplicou.
No entanto, cada vez mais, esta realidade parece uma vitória pírrica. A queima de combustíveis fósseis está a emitir gases de efeito estufa, desencadeando uma reação em cadeia de alterações climáticas, níveis tóxicos de poluição do ar e eventos climáticos extremos, como inundações, ondas de calor, secas e incêndios descontrolados. A rápida destruição de habitats de vida selvagem através da deflorestação e da agricultura industrial também é responsável pelo surgimento de três em cada quatro novas doenças infeciosas, incluindo vírus zoóticos como a gripe das aves, o SARS, o MERS, o ébola e provavelmente a covid-19, contra os quais o mundo continua a lutar mais de um ano depois do seu surgimento.
É este o efeito dominó da degradação ambiental. A conservação por si só não nos levará onde é necessário estar. Os oito principais tipos de ecossistemas – terrenos agrícolas, florestas, água doce, oceanos, montanhas, pastagens e savanas, turfeiras e cidades - estão todos em degradação. E, assim como o dominó, a deterioração de um ecossistema tem um efeito cascata nos restantes.
Pelo menos dois mil milhões de pessoas dependem diretamente de terras agrícolas e de pastagens, mas um terço das terras está altamente degradado devido ao uso de pesticidas e de fertilizantes, e à plantação de monoculturas. Uma realidade que, por sua vez, aumenta a insegurança alimentar e leva à degradação de outros ecossistemas para criar novas terras agrícolas. A expansão agrícola e a extração de madeira levaram a uma redução global de 178 milhões de hectares de área florestal nas últimas três décadas - uma área cinco vezes o tamanho da Alemanha.
Ao longo do último meio século, o uso de água doce aumentou cerca de 600% e quatro mil milhões de pessoas enfrentam regularmente escassez de água. Os oceanos e os seres vivos que os habitam fornecem até 80% do oxigénio na atmosfera, mas os stocks de peixes estão a entrar em colapso rapidamente, a crescente poluição por plásticos está a tornar os oceanos tóxicos, enquanto o branqueamento e a acidificação podem fazer desaparecer todos os recifes de coral em todo o mundo até 2100.
Padrões semelhantes de degradação em outros ecossistemas estão a derrubar cada vez mais a nossa proteção ambiental, tornando-nos mais vulneráveis à tripla ameaça das mudanças climáticas: perda da natureza, poluição e resíduos.
Devemos investir na restauração dos ecossistemas - reflorestação, florestação e agricultura regenerativa, entre outros. É essencial, como afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “fazer, finalmente, as pazes com a natureza”.
A restauração é possível em grande escala, conforme foi detalhado num relatório conjunto publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Os países precisam cumprir os seus compromissos de restaurar mil milhões de hectares de terras degradadas e adicionar compromissos semelhantes para as áreas marinhas e costeiras. Os governos e os atores do setor privado devem triplicar os investimentos anuais em soluções baseadas na natureza até 2030 e quadruplicar até 2050 os investimentos atuais de 133 mil milhões de dólares.
Além dos recursos físicos, também as mentalidades devem mudar. A estratégia da humanidade não pode focar-se na conquista da natureza. Mudar para que o efeito dominó na natureza seja positivo implica perceber que todos nós somos parte da natureza, e mudar as ações que se propagam e destroem o nosso planeta para uma cascata de ações positivas que permitem que a natureza e as gerações futuras prosperem.
Apesar de grande parte do mundo estar a experienciar o efeito dominó negativo dos colapsos ecológicos, em alguns casos, há já novas regras que estão a ser aplicadas. Desde a bem-sucedida plantação de 200 milhões de árvores na África Subsariana e a duplicação da cobertura florestal da Costa Rica desde 1980, passando pelo programa de agricultura biológica no estado indiano de Andhra Pradesh e a restauração da lagoa costeira de água salobra de Chilika na costa leste do país, até às inovações como as proteínas alternativas (carne cultivada em laboratório), estes investimentos estão a reduzir a pobreza e a fome e a contribuir para a saúde, para a paz e para a segurança da humanidade.
Neste Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), líderes mundiais, cientistas, membros da sociedade civil, povos indígenas e líderes comunitários pedem uma aceleração na restauração dos ecossistemas. Será necessário definir novas regras do jogo em outubro e novembro na Conferência de Biodiversidade da ONU em Kunming, na China, e na COP26 em Glasgow, no Reino Unido. Nestes encontros, governos de todos os continentes vão reunir-se para chegar a um consenso e assumir compromissos sobre como prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas.
Sim, os investimentos necessários são significativos, mas os custos da inação seriam dez vezes maiores. Se adotada globalmente, a próxima Década de Restauração dos Ecossistemas será lembrada como um ponto de viragem histórico na forma como nos envolvemos com a natureza e como abordamos as ameaças ambientais que enfrentamos.
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