Conversas ao ouvido

Emoção e manipulação: quando a IA se aproveita das tragédias para nos enganar

Menos de 24 horas após a tragédia no Elevador da Glória, é difícil escrever sobre qualquer outro tema.

Há dias em que um único acontecimento consegue ocupar o nosso pensamento e o resto até parece que perde importância.

Mas é um facto: Lisboa está hoje nas manchetes internacionais pelas piores razões.

No Expresso Curto encontra o essencial do que aconteceu ao fim da tarde de ontem no centro de Lisboa e, no site do Expresso, atualizamos constantemente o que se sabe sobre as causas do acidente no Elevador da Glória.

Entretanto, esta newsletter vai tentar desviar-se por instantes deste início trágico de setembro para regressar a agosto, não para esquecer, mas para lembrar que, mesmo nos momentos mais difíceis, é preciso continuar a abrir horizontes.

Recuo então ao vídeo que, em pleno verão, emocionou milhares de pessoas… mas que nunca aconteceu. Reconhece a imagem que se segue?

Imagem criada por Inteligência Artificial mostra alegado bombeira a chorar num cenário de incêndio florestal. Na página que a publicou são pedidos "corações" em apoio
AI Slop / Imagem criada por Inteligência Artificial

Se não reconhece, não se preocupe. Já lhe conto a história. Agora, vou perguntar ao meu chatbot.

JB: Woolf, já viste a notícia sobre o podcast do Expresso que expôs um vídeo falso e que o Facebook apagou? O que me podes dizer sobre isto?

Sim, já vi a notícia — e é um caso muito relevante para quem acompanha o impacto da inteligência artificial nos media e redes sociais.

O podcast “O Futuro do Futuro” do Expresso expôs recentemente um vídeo falso gerado por IA, que circulava nas redes sociais e foi posteriormente removido pelo Facebook.

O vídeo mostrava um suposto bombeiro chamado “Tiago” a relatar uma história dramática de salvamento durante um incêndio. A narrativa era emocionalmente intensa, com imagens de Tiago com o rosto marcado e olhos vermelhos, descrevendo o resgate de uma criança — mas nada daquilo era real. Nem o bombeiro, nem a história, nem o vídeo.

Este conteúdo foi criado com uma técnica chamada “AI SLOP”, que se refere à produção de conteúdos de baixa qualidade, mas com forte carga emocional, desenhados para manipular os algoritmos das redes sociais e gerar engajamento artificial

O vídeo foi publicado em páginas que pareciam estar associadas ao Santuário de Fátima, o que aumentou a sua credibilidade junto de muitos utilizadores. No entanto, o próprio Santuário confirmou à SIC que essas páginas são falsas e usam indevidamente o seu nome.

O episódio do podcast que revelou este caso está disponível na página oficial de “O Futuro do Futuro” e inclui uma entrevista com o professor João Santos Pereira, que explica como estes conteúdos são criados e disseminados.

Este caso mostra como a IA pode ser usada para criar desinformação altamente convincente, e como o jornalismo pode desempenhar um papel crucial na sua deteção e denúncia.

Queres que te envie o link direto para o episódio do podcast ou que te ajude a pensar em formas de abordar este tema?

JB: Muito bem. O Expresso lançou um episódio do “O Futuro do Futuro” que desmonta uma história comovente, mas completamente inventada, sobre um bombeiro chamado Tiago.

O vídeo circulou a toda a velocidade nas redes sociais numa altura em que Portugal se debatia com graves fogos. Nessas imagens aparecia um bombeiro (Tiago) com a cara suja do fumo e os olhos vermelhos a relatar um salvamento dramático durante um incêndio. Só que… nada daquilo era real.

Os ingredientes para uma história dramática estavam todos lá, mas… tinha sido tudo gerado por Inteligência Artificial.

Nem existe o Tiago, nem o incêndio, nem o carro. Mas isto tem um nome.

Chama-se AI SLOP e significa: conteúdo emocionalmente intenso, mas de qualidade duvidosa, feito para "entupir" os algoritmos dos nossos telemóveis e subir nos feeds das redes sociais.

📱 O vídeo foi publicado em páginas que pareciam ligadas ao Santuário de Fátima, o que só adensou o mistério. Mas o próprio Santuário já veio dizer que não tem nada a ver com isso e que há perfis a usar abusivamente o seu nome. Entretanto, o Facebook apagou o vídeo depois de este ter sido exposto no podcast do Expresso.

Mas fica a pergunta: quantos mais vídeos falsos estarão por aí, à espera de serem descobertos?

Imagem criada por Inteligência Artificial mostra alegada bombeira após um salvamento mal-sucedido. Na página que a publicou são pedidos "comentários de força"
Imagem criada por IA

🧠 Atenção, separar o real da ficção está a tornar-se um desafio diário.

A inteligência artificial está a evoluir a um ritmo alucinante, duplicando capacidades a cada três meses (mais coisa menos coisa). E se até os bombeiros fictícios conseguem emocionar-nos, talvez esteja na altura de afinarmos a nossa atenção digital. Porque nem tudo o que parece… é.

Se quiser ficar a saber o essencial sobre AI Slop, clique aqui 🎧

Fico a pensar se desse lado já se deparou com alguma imagem ou vídeo que o entusiasmou, mas que veio a descobrir ser falso. Eu já vi praias paradisíacas que afinal não existem e fiquei um bocado desiludida...

A IA já está a mudar a forma como confiamos naquilo que vemos nos nossos telemóveis e computadores, mas será que é possível desacelerar a forma como consumimos conteúdos digitais e ter tempo para verificar fontes?

JB: Woolf, qual é o papel que o jornalismo e a literacia mediática podem ter na deteção de falsos conteúdos?

Essa reflexão é muito pertinente, Joana — e encaixa perfeitamente no espírito da tua newsletter *Conversas ao Ouvido*. Vamos por partes:

📱 Imagens falsas, emoções reais


A tua pergunta inicial — _“Já se deparou com uma imagem que o entusiasmou, mas que era falsa?”_ — é poderosa porque toca numa experiência comum. Todos já fomos seduzidos por uma praia paradisíaca, uma história comovente ou um vídeo impressionante… que afinal não era verdadeiro. E com a IA generativa, essa experiência está a tornar-se cada vez mais frequente.

🧠 A confiança está a mudar


A IA está a alterar profundamente a forma como confiamos naquilo que vemos. O que antes era “prova visual” hoje pode ser apenas uma simulação convincente. E como disseste bem, a velocidade com que consumimos conteúdos digitais dificulta a verificação — estamos sempre a deslizar, a reagir, a partilhar.

📰 O papel do jornalismo e da literacia mediática


Aqui entram dois pilares fundamentais:

1. Jornalismo

- Investiga, verifica e denuncia — como fez o podcast *O Futuro do Futuro* ao expor o vídeo falso do bombeiro.
- Pode funcionar como um “antivírus social”, identificando e desmontando narrativas manipuladoras.
- Mas precisa de tempo, recursos e confiança pública para cumprir esse papel.

2. Literacia mediática

- Dá às pessoas ferramentas para pensar criticamente sobre o que consomem.
- Ensina a fazer perguntas: _Quem publicou isto? Porquê? É possível verificar?_
- Pode ser promovida nas escolas, nos media e até em newsletters como a tua.

🧭 Desacelerar é possível?

Sim, mas exige intenção. Algumas ideias:
- Criar momentos de pausa digital (como “dias sem scroll” ou “feeds verificados”).
- Usar ferramentas de verificação de imagens e vídeos (como InVID, Google Lens).
- Promover espaços de conversa — como a tua newsletter — onde se discute abertamente o impacto da IA no quotidiano.

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Queres que te ajude a transformar esta reflexão num texto fluido para a newsletter? Posso também sugerir uma estrutura ou tom específico (mais informal, mais jornalístico, mais poético).

JB: Obrigada, Woolf, não preciso de mais nada. A tua resposta entra assim mesmo na newsletter, sem edição minha. Concordo no essencial com tudo e sublinho:

  • estamos sempre de telemóvel na mão a deslizar, a reagir, a partilhar, mas precisamos de tempo para pensar e reagir devidamente.

Precisamos de aprender a lidar com esta nova forma de estar no mundo.

Na próxima semana, voltamos com mais Conversas ao Ouvido. Até lá, desacelere o scroll, escute com atenção e questione o que vê.

Obrigada por estar desse lado ❤️

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jbeleza@expresso.impresa.pt

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