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Tribunal de Contas Europeu puxa orelhas à União Europeia quanto à “fiabilidade” do valor gasto em ação climática

Investimentos no Alqueva entre os que podem não cumprir princípios de ação climática
Investimentos no Alqueva entre os que podem não cumprir princípios de ação climática
EDIA

Entre o orçamento declarado e o executado em medidas para combater as alterações climáticas na União Europeia, entre 2014 e 2020, há uma diferença de 72 mil milhões de euros, conclui o Tribunal de Contas Europeu (TCE). Um relatório, divulgado esta segunda-feira, aponta “falhas” na comunicação sobre gastos reais com o clima e na medição dos seus efeitos. E diz que, em geral, as contas apresentadas pela Comissão “não são fiáveis”

Tribunal de Contas Europeu puxa orelhas à União Europeia quanto à “fiabilidade” do valor gasto em ação climática

Carla Tomás

Jornalista

O Tribunal de Contas Europeu acusa a União Europeia de incumprimento e falta de transparência nos desafiantes objetivos a que se comprometeu para mitigar a crise climática. O relatório especial, divulgado esta segunda-feira, revela que houve um desvio de 72 mil milhões de euros em relação aos declarados 216 mil milhões de euros e que “os gastos nem sempre foram relevantes para a ação climática”.

“Constatámos que os relatórios gerais sobre gastos climáticos não eram fiáveis”, lê-se na auditoria. Isto porque os coeficientes utilizados não foram os mais corretos e não foram avaliados os resultados dos investimentos comprometidos, esclareceram as auditoras num briefing esta segunda-feira.

A Comissão Europeia disse ter cumprido o compromisso de gastar 20% do orçamento para 2014-2020 com o clima – o que equivaleria aos declarados 216 mil milhões de euros – mas o TCE constatou que não foi assim. Em vez dos 20% anunciados, apenas 13% (cerca de 144 mil milhões de euros) terão sido relevantes para o clima, na documentação reportada pela UE.

Os auditores concluíram também que, pelo menos, um terço da verba declarada foi utilizada em ações que consideram nada terem contribuído para enfrentar a crise climática.

“A UE impôs a si mesma objetivos ambiciosos para a energia e o clima, mas nem todo o dinheiro que a UE diz que gastou com o clima foi verdadeiramente útil na luta contra as alterações climáticas”, frisa a responsável pela auditoria, Joëlle Elvinger.

Financiamento “exagerado” da agricultura

Entre os desvios apontados está o “exagerado” financiamento da agricultura. Contas feitas, o relatório estima que quase 60 mil milhões de euros (80% do valor desviado) foram aplicados em financiamentos agrícolas nos Estados-membros, nomeadamente em infraestruturas em zonas rurais, sem que estas revelassem efeitos positivos na redução de carbono ou de metano.

No caso português, uma grande fatia de fundos para o combate às alterações climáticas foi aplicada em infraestruturas associadas ao regadio do Alqueva, por exemplo.

“As emissões de gases com efeito de estufa das explorações agrícolas na União Europeia não diminuíram desde 2010”, frisa a auditoria.

Com base nos factos apurados, o TCE recomenda à Comissão Europeia que “justifique a utilidade de tal financiamento para o clima” e “melhore a associação das suas despesas aos objetivos energéticos e climáticos”. Segundo as auditoras, o relatório da CE “apenas acompanhou o potencial impacto positivo das medidas no clima sem avaliar a sua contribuição final para os objetivos climáticos da UE”. Isto além de serem contabilizados “gastos inflacionados” relativos a medidas climáticas.

O relatório considera que “o método de avaliação usado assenta em suposições e não mede o contributo final para os objetivos climáticos da UE, não havendo nenhum sistema que controle os resultados para o clima”.

O financiamento de infraestruturas relacionadas com o transporte ferroviário, a eletricidade e a biomassa também são vistos como tendo um peso excessivo nos coeficientes utilizados pela CE quanto ao seu real contributo climático. O que leva o TCE a aconselhar a “aplicação de coeficientes mais razoáveis”.

Alerta para “fiabilidade” de orçamentos futuros

A desconfiança leva o Tribunal de Contas Europeu a recear a continuação de “problemas de fiabilidade” no orçamento para 2021-2027, em que a meta de despesa com o clima sobe para 30%. O TCE considera que a maior parte dos problemas identificados no relatório comunitário de 2014-2020 se mantêm. E teme que o Instrumento de Recuperação da União Europeia, introduzido em 2020, “traz desafios adicionais, devido às ligações pouco claras entre pagamentos e objetivos climáticos”.

O TCE lembra que a UE aprovou um instrumento de financiamento – NextGenerationEU – que parte do princípio de que todos os investimentos aprovados “não causam danos significativos” aos objetivos ambientais e climáticos. Por isso recomendam que se avaliem as evidências científicas de que a política agrícola europeia cumpre estes princípios.

As constatações do TCE levantam dúvidas sobre o cumprimento das metas de redução de gases de efeito de estufa da UE para 2020 e para 2030 e a ambicionada neutralidade carbónica até 2050. A real liderança europeia na luta contra a crise climática também fica em dúvida.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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