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Sem competências não há transição digital

97,11% das empresas consideram que os dados são um ativo essencial
97,11% das empresas consideram que os dados são um ativo essencial
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Tecnologias. A realidade económica que está a ser moldada na sequência da crise pandémica exige uma aposta de base na educação sob pena de novas oportunidades serem desperdiçadas

Sem competências não há transição digital

Tiago Oliveira

Jornalista

As ondas de choque da pandemia continuam a fazer-se sentir um pouco por todo o fabrico da sociedade e no campo da análise académica já poucos duvidam que estes efeitos vão ter impactos duradouros na forma como nos organizamos para trabalhar, por exemplo. A transformação, para o bem e para o mal, já é um dado adquirido, mas as oportunidades (e desafios) que traz consigo exigem uma reorganização do modelo social e económico.

Mudanças profundas que estiveram em discussão na conferência “Uma nova Economia para o Mundo e a Humanidade” — 15ª reunião de antigos alunos AESE Business School, organizada pela instituição para celebrar o 40º aniversário, com o apoio do Expresso — e em que a educação esteve em foco como elemento fulcral para alavancar a transição para uma economia necessariamente diferente. “É uma realidade que precisamos de agir naquilo que são as novas competências”, defende a diretora-geral da Microsoft Portugal, Paula Panarra. Na opinião da gestora é essencial “capacitar a população ativa”, sobretudo quando, de acordo com o Índice de Digitalização, só 20% dos utilizadores [em Portugal] têm competências básicas e 12% avançadas” o que coloca o país “abaixo da média europeia”. Estamos perante um défice de competências que obriga a “reinventar os modelos de educação”, dos mais novos aos mais velhos, ou seja, dentro das organizações também é preciso desenvolver “estratégias de qualificação, identificar as competências necessárias e desenvolver planos de formação”. Paula Panarra enfatiza que se trata de um processo em que um “sentido de urgência é importante” para que a tecnologia possa “fazer o que é suposto: ampliar competências”.

Desenvolvimento sustentável

A crise pandémica acelerou a digitalização da organização do trabalho e das empresas, e um estudo da AESE conduzido pelo professor Agostinho Abrunhosa sobre o panorama da transformação digital em Portugal ajuda a perceber porquê. 78% dos inquiridos consideram que houve uma mudança de cultura organizacional, ao passo que mais de 97% já assumem que os dados são um ativo essencial. Por outro lado, cerca de 22% acreditam que o processo de transição decorre abaixo das expectativas, com a certeza de que as organizações que tiveram mais êxito durante a crise pandémica usam mais tecnologias recentes e inovadoras.

Como se pode vislumbrar num recente inquérito da PwC, citado por António Brochado Correia, 87% dos recursos humanos nas empresas “afirmam ter lacunas de competências, que não são apenas digitais mas também sociais, relacionais e de atitude perante a organização e o trabalho”. Explica o presidente da PwC para Portugal que “as duas capacidades são escassas, as digitais pelo crescimento rápido e procura destas funções, as sociais porque são mais difíceis de formar”. Numa perspetiva mais alargada, António Brochado Correia defende que em Portugal se deve definir “um plano robusto não apenas de recuperação mas de evolução e transformação da sociedade e do país que queremos, com objetivos e planos concretos, bem executado e com objetivos intermédios que possamos ir medindo e acompanhando”.

Para a investigadora da Universidade Nova de Lisboa, Elvira Fortunato, “a tecnologia é sempre boa”, exceto quando é mal utilizada. Qualquer resposta global para o desenvolvimento não pode fugir a esta realidade de investimento em inovação, e a vencedora do Prémio Pessoa 2020 alerta que “qualquer país que não aposte em ciência vai nivelar por baixo”. E deixa um aviso: “Nenhum de nós quererá voltar à idade da pedra.”

A covid-19 significou também uma “oportunidade de pensar e repensar o futuro”, acrescenta a cofundadora da BridgeWhat, Ana Paula Reis, e de “resolver problemas prementes como o da inclusão”, o que se reflete num “consenso muito alargado à volta dos 17 desafios de desenvolvimento sustentável” da ONU. “É muito importante que haja um movimento de solidariedade social a nível global”, aponta o CEO da Siemens Portugal, Pedro Pires de Miranda, que realça a importância da educação mas reforça que, na nova economia, a tecnologia deve contribuir para a “criação constante de emprego qualificado e sustentável”. Sem isso, “não há hipóteses”.

Citações e números

“Há duas coisas que as máquinas não têm: a nossa mente e consciência. A biologia não nos desenhou para funcionar a esta velocidade”
Pedro Afonso
CEO da VINCI Energies Portugal

47,8%
da população portuguesa não tem o ensino secundário completo, de acordo com os dados mais recentes do Pordata. Trata-se da percentagem mais elevada da União Europeia e ilustra a educação como o fator que mais impede Portugal de melhorar a sua posição 
no Índice de Desenvolvimento Humano: 38º entre 128 países

“A adoção tecnológica pelas empresas levará a uma transformação dos seus processos e da cultura vivenciada”
Fátima Carioca
Reitora da AESE Business School

80,4%
dos inquiridos num estudo do Observatório da Sociedade Portuguesa, da Universidade Católica em Lisboa, mostram-se interessados em permanecer no atual regime de teletrabalho, com 77,9% a especificar que gostavam de trabalhar a partir de casa até quatro dias por semana. Cada vez mais empresas olham para um regime híbrido de trabalho como uma realidade incontornável

“A pandemia trouxe à sociedade uma maior aceleração do processo tecnológico e digital e dos efeitos globais ambientais num mundo interdependente”
António Brochado Correia
Presidente da PwC para Portugal

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objetivos de desenvolvimento sustentável foram definidos pela ONU como parte da Agenda 2030 e vão fazer cada vez mais parte da nova economia global. Entre as metas encontra-se, por exemplo, até 2030, reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita a nível mundial, de retalho e do consumidor ou incentivar as empresas a adotar práticas sustentáveis

Textos originalmente publicados no Expresso de 2 de julho de 2021

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