É a quarta saída da administração da Global Media no espaço de um mês: o administrador executivo Paulo Lima Carvalho, que tinha a seu cargo a área dos recursos humanos, renunciou esta quinta-feira ao cargo.
O gestor, que foi acusado por Domingos Andrade, ex-diretor da TSF, de interferência nos conteúdos editoriais desta rádio, fez saber numa carta enviada ao presidente do conselho de administração, Marco Galinha, e ao presidente da comissão executiva, José Paulo Fafe, que aceitou o convite para ser administrador, em julho, com base numa série de “garantias, condições e pressupostos” que não se confirmaram.
“A aceitação do convite teve por base garantias, condições e pressupostos que, manifestamente, não se verificam. Fui convidado e aceitei assumir os cargos com o objetivo de auxiliar na reestruturação do grupo, no desenvolvimento da área dos recursos humanos, da área digital, promoção da inovação, inteligência artificial e novas tecnologias”, explica.
Acrescenta que “o projeto tinha como estratégia o engrandecimento do grupo através, designadamente, da aquisição de outras marcas, de jornais, rádios e televisão, focado na internacionalização, nomeadamente, em países da lusofonia”. E que, “para concretização desse desiderato foi-me assegurado que iria ser realizado um forte investimento, de molde a poder desenvolver o grupo nas várias áreas de que me incumbiram”.
Paulo Lima Carvalho diz que “foi também previamente acordado que iria, na área de recursos humanos, analisar o quadro de pessoal do grupo, remunerações, funções, utilidade/necessidade de concretos recursos e assegurada a existência de recursos financeiros que permitissem a realização de investimentos, quer por reforço com quadros qualificados, quer recrutando talentos, que combinam com a cultura e com os objetivos da organização”.
“Simultaneamente foi-me garantido a realização de investimentos que permitiriam desenvolver o grupo, em termos de tecnologia para otimização da área administrativa e implementação de políticas de desenvolvimento do capital humano dentro do grupo, inexistentes, até então”, acrescenta.
“Foi-me também prometido que iriam dotar o grupo de condições económico-financeiras que permitissem o reforço de equipas nestas áreas core, nas quais o grupo não possui competências”, diz também o gestor, para concluir que “como é notório e publico, não só as condições mínimas necessárias à implementação dos projetos para os quais fui incumbido não estão a ser minimamente asseguradas, como ocorre, ao invés, uma total ausência de investimentos, que estão a provocar uma permanente situação de asfixia financeira, onde nem sequer nos é possível assegurar os compromissos já existentes, designadamente remunerações, quanto mais desenvolver qualquer tipo de projetos”.
“Acresce que a asfixia financeira, a provocar o Incumprimento generalizado das obrigações emergentes de contratos de trabalho e outras, que não há qualquer hipótese de cumprir, vem denegrindo a minha imagem, enquanto profissional, decorrente da elevadíssima exposição negativa a que o meu nome vem estando sujeito, sendo-me imputada a responsabilidade pela atual situação do grupo, quando sou totalmente alheio à mesma”, adianta.
“Assim, atendendo a que não estão asseguradas as mínimas condições para o desempenho do cargo, porque não estão cumpridas as promessas que me foram feitas e que estiveram na base da aceitação do mesmo, venho, pela presente, apresentar a minha renúncia, com justa causa, ao cargo de administrador e membro da comissão executiva da Global Notícias Media Group e demais empresas" do grupo.
Fundo suspende transferências
A demissão de Lima Carvalho segue-se à do também administrador executivo Diogo Agostinho, a meio de dezembro, altura em que também o administrador não executivo Carlos Beja pediu para sair. E na semana passada foi a vez do não executivo Victor Menezes pedir também para sair.
Ficam agora na administração cinco membros: José Paulo Fafe e Filipe Nascimento, executivos, Marco Galinha, que também mantém poderes executivos mas acumula com a presidência do conselho de administração, e também António Mendes Ferreira e Kevin Ho, como não executivos.
A saída de Paulo Lima Carvalho ocorre num dia agitado para o grupo. José Paulo Fafe revelou em comunicado que o World Opportunity Fund - fundo que controla 50,25% da Global Media - não avançará com a transferência de dinheiro para o pagamento dos salários em atraso enquanto não houver uma decisão relativa às diligências tomadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social e enquanto não for retirada a providência cautelar de arresto decretada pelo acionista Marco Galinha.
A transferência estava prevista ocorrer até ao início da semana para que os salários de dezembro que ainda não foram pagos a alguns trabalhadores fossem finalmente regularizados. Mas até esta quinta-feira os trabalhadores da área da imprensa do grupo não receberam a remuneração tendo ficado a saber que a transferência do dinheiro fica suspensa.
Os trabalhadores do Jornal de Notícias e de O Jogo, reunidos em plenário, não demoraram a reagir, acusando a comissão executiva e o seu presidente de “terrorismo” e “chantagem”. Estavam reunidos para decidir se avançavam com o pedido de suspensão dos contratos de trabalho - através do qual deixam de trabalhar e passam a receber subsídio de desemprego até a situação estar regularizada - e decidiram: vão mesmo avançar para esse mecanismo.
As acusações de Domingos Andrade
A 4 de janeiro Domingos Andrade esteve no Parlamento e apontou o dedo diretamente a Paulo Lima Carvalho, ao dizer que “a nova gestão ainda mal tinha acabado de chegar e o sr Paulo Lima Carvalho, depois de ter tentado pressionar o diretor-adjunto da TSF, Ricardo Alexandre, para que ele denunciasse quem foi que aprovou uma determinada notícia que tinha ido para a antena e para o site, tentou fazer o mesmo comigo após ter visto gorados os seus objetivos”.
“Marco Galinha disse-me através de um telefonema que iríamos ter ajuda de um novo administrador, Paulo Lima Carvalho, que viria por via do fundo cujas negociações estariam em bom andamento. Percebi que Paulo Lima Carvalho trabalhou em várias áreas, nomeadamente na Casa da Música, e que tinha ligações a uma empresa que se chama Sentinel Criterium, de assessoria para a comunicação. E vi que ele tinha ligações a um familiar de Luís Bernardo, que tem uma outra empresa que se chama WL Partners”, contou também então o ex-diretor da TSF. Luís Bernardo foi jornalista e assessor do antigo primeiro-ministro José Sócrates, trabalhando na área da consultoria de comunicação.
Domingos Andrade disse inda ter lido na revista Sábado uma reportagem que apontava para “cruzamento de interesses entre a Sentinel Criterium e a WL Partners. Nos concursos de assessoria para as câmaras municipais costumavam concorrer ambas e ora ganhava uma, ora ganhava outra. Fiquei apreensivo atendendo ao histórico que já havia no grupo de tentativa de controlar as parcerias com as câmaras municipais”.
O também ex-administrador da Global Media explicou: “Fui alertado pelo então diretor comercial do grupo, em 2021, de que a WL Partners chegou a apresentar uma proposta, que não foi adiante, para ficar com as parcerias entre o grupo e as câmaras municipais. Essas parcerias com as câmaras municipais passam por conferências que têm relevância absolutamente fundamental, que hoje são essenciais para os órgãos de comunicação social”.
“Paulo Lima Carvalho acabou por assumir a gestão de praticamente todas as áreas menos a que eu tinha, a editorial”, adiantou. “Quando vamos olhar para o histórico ninguém pode ficar confortável quando tem como administrador alguém que é sócio de uma empresa de assessoria de comunicação e com negócios intensos em parcerias com outra agência de comunicação nas câmaras municipais. É óbvio que isso causa preocupações sobre a necessidade de estar muito atento a esse tipo de negócios”, disse também Domingos Andrade.